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4 participantes

    Fic Coletiva: AS COISAS MUDAM

    Athos de La Fère
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    Mensagem por Athos de La Fère Dom Fev 14, 2010 9:59 am

    Aí.. vai começar..

    A regra é... o próximo continua de onde o anterior parou...

    Mas vamos por algumas poucas restrições...

    Capítulos: 10
    Gênero: Romance
    Protagonista: Athos (HUHUHUHUHU - direcionei)
    Coadjuvante: Aramis
    Cronologia: Após o término da 2ª temporada de Sanjuushi e do Aramis no Bouken.

    COMEÇAR!
    ----------------------------------------------------------------------------------------------------------


    AS COISAS MUDAM
    Capítulo I: Mais de um segredo



    Amanhecia mais um dia ensolarado de verão em Paris. O verão parecia deixar a cidade especial e uma paz que há muito se esperava viver na França se podia sentir no ar.
    Na residência dos Bonacieux, todos tomavam o desjejum, exceto uma pessoa.

    Constance: - D'Artagnan está atrasado de novo!
    Sr. Bonacieux: - Estes jovens de hoje! Já não sabem o que é ter responsabilidades! Vá chamá-lo Constance!
    No mesmo instante, D'Artagnan descia quase que voado pelas escadas abaixo. - Estou atraso, dizia ele esbaforido.
    Constance: - Sim, estás atrasado como sempre! Razz E mostrou-lhe a língua.
    D'Artagnan: - Desculpa! Prometo que não acontecerá de novo! - disse sem jeito.
    Sr. Bonacieux: - Isto é o que sempre dizes, meu rapaz. - disse enquanto ria.

    ***

    No escritório do Sr. de Treville, Aramis tinha uma séria conversa com o Capitão dos Mosqueteiros.

    Aramis: - Não tenho coragem suficiente. Sei que talvez me odiarão para sempre!
    Sr. de Treville: - Mas chegará o momento em que a verdade deverá vir a tona, René.
    Você não acha? Não posso decidir por você e não quero pressioná-la de forma nenhuma, mas, alerto-a, minha filha, de que esse segredo não poderá ficar guardado por muito mais tempo. Pelo menos não as escondidas de seus melhores amigos. Não acha que deve dar-lhes um voto de confiança.
    Aramis: - Eles tem de mim total confiança! É claro! Mas... eles... tenho medo.. Capitão... tenho muito medo de perdê-los...
    Sr. de Treville: Pense bem e não decida nada movida por impulsos e precipitação. Só peço que aja com sabedoria.
    Aramis: - Obrigada, Sr. de Treville. És como um pai para mim.

    ***
    Momentos mais tarde, os quatro amigos, Athos, Porthos, Aramis e D'Artagnan, encontraram-se na taverna (1), para o início de mais um dia. Conversavam distraídamente sobre todos os incidentes que lhes tinham ocorrido até aquele dia, enquanto comiam e bebiam, a exceção de D'Artagnan que só lhes acompanhava no papo. Athos, porém, pouco falava.
    Isto poderia ser considerado normal, uma vez que o mosqueteiros era mesmo o mais calado do grupo e procurava falar apenas o necessário. No entanto, havia um clima de mistério no ar; os amigos o perceberam entristecido e com aparência um tanto sorumbática.

    Porthos: - O que foi amigo? Parece que lhe aconteceu algo grave? Não quer nos contar?
    Athos: - O que? Ah! Nada, Porthos. Não acontece nada comigo.
    Porthos: - E porque está assim tão sério? É normal vê-lo calado, mas não triste. Diga, o que foi? Podemos ajudar!!
    Athos: - É sério! Já lhe disse! Não houve nada! Fica tranquilo está bem.
    D'Artagan: - Não acredito em você! É claro que houve alguma coisa! Não esconda nada de nós. Não somos teus amigos?! Confia em nós, ora!! Porthos disse! Eu repito! Podemos ajudar!!

    Aramis apenas olhava com certa estupefação e de imediato preocupou-se com o amigo. Só lamentou não ter sido ela a notar isso primeiro. Como pôde deixar passar que seu amigo, talvez o mais querido deles, estivesse com problemas?!! Porque não desconfiou de nada. Não conseguia aceitar o fato de ter se preocupado apenas com ela mesma, mas a realidade é que estava tão concentrada no que devia fazer a respeito do segredo que guardava que não notava mais nada a seu redor. Pensou: Athos... meu querido amigo... o que está acontecendo?

    Athos (em tom alterado): - Eu já disse que não é nada! Como são teimosos vocês dois!! - E levantou-se bruscamente da mesa derrubando, sem perceber, um papel que caiu ao chão.

    D'Artagnan: - Oh! Uma carta?! - agarrou o papel.
    Porthos: - É de alguma admiradora, de certo!
    Aramis: - O quê?! Não pode ser?!

    Os três olharam um pouco assustados para Aramis que havia dito aquela última frase num tom como de alguém que sentia................... ciúmes?!




    ***
    (1) Usei o termo taverna porque não sei o nome do local onde eles costumam se encontrar... se alguém souber, é só me dizer que eu altero.

    Quem é o próximo?!!!!
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    Mensagem por Lyrrinne Ter Fev 16, 2010 9:08 am

    Capitulo II
    Um recruta do passado.

    O dia tinha amanhecido já extremamente quente e parecia que não tinha cara de vir a melhorar tão cedo, Aramis atira para o lado a capa de mosqueteiros seria completamente impossivel andar com aquilo vestido, o vento quente quase que era capaz de lhe tirar o ar que respirava! Refilava entre dentes o mau estar que sentia devido ao tempo que se fazia sentir.
    Uma vez no estábulo dirigiu-se ao nicho onde o seu cavalo descansava, o animal parecia tão aborrecido quanto a dona, em abandonar o fresco relativo do estábulo.

    - Eu sei, meu velho… mas hoje temos muito que fazer! – Encostou a cabeça ao focinho do cavalo.
    Este mordiscou o cabelo de Aramis, e relinchou carinhosamente batendo com a cabeça no ombro da dona.
    - Já chega meu pateta! – Afaga-lhe o pescoço.

    Ao encaminhar o cavalo para a rua, reparou que este tinha um ligeiro coxear, baixou-se e observou um dos cascos dianteiros, cuja ferradura parecia estar a querer soltar-se.

    - Oh... Raios!... Só me faltava mais esta! Vamos mesmo chegar mais tarde! Temos que tratar disso…
    No quartel dos mosqueteiros havia uma grande azáfama. Os Cadetes corriam de um lado para outro a carregar selas e mosquetes para o pátio. Athos estava encostado à árvore frondosa que ornamentava o átrio, olhava fixamente para o chão, com um ar distante e quase abandonado no tempo, tanto que nem se apercebera que Porthos se aproximava dele, abria o colarinho algo incomodado com o calor.
    - Com mil diabos… que tempo horroroso, ainda derretemos! Não havia outro dia para fazermos a inspecção a novos recrutas? Há alturas que acho que o Capitão gosta de nos fazer destas! Até aposto!
    Athos permanecia calado, não estando de forma alguma a dar atenção ao amigo.
    - O que é feito do Aramis?! Já devia cá estar!... Ah, Athos ontem deixaste isto – tira a carta do bolso – lá na taverna, amor novo, enh?!

    Athos fica algo violento e arranca das mãos de Porthos a carta, deixando o mosqueteiro colossal algo perplexo com aquela reacção!

    - Leste isto, Porthos?! Leste?! – Agarra-o pelo casaco, puxando-o de contra si. – Fala!
    - Ei! Calminha aí Athos, tira as “patinhas” de cima! Estás a ficar maluco, ou quê? – Empurra-o. – Parece que não nos conheces, jamais iríamos ler algo que te pertence! Se é para ficares assim, estamos mal!

    Athos arrependido, recupera o seu comportamento normal percebendo a atitude desagradável que tinha tido.

    - Tens razão… perdoa-me Porthos! – mete a carta no bolso rapidamente.
    - Tudo bem, Athos… esquece… ah… aí vem o “loiro” finalmente!

    Aramis desmontava do cavalo enquanto Phortos se aproximava ainda algo embirrado pelo sucedido momentos antes com Athos.

    - Então, Aramis…
    - Bom dia, Porthos… o meu cavalo perdeu uma das ferraduras logo pela manhã… isto começa bem! Estamos prontos?!
    - Sim! Dentro de alguns minutos começamos, basta o Capitão descer do escritório!
    - Óptimo… e o d’arganan?!
    - Foi chamado à corte, pela Rainha, o Capitão dispensou-o.
    - Passa-se algo com a Constance?!
    - Mmmmn… nada penso, o Senhor Athos ali com a sua neura é que quase me tirou do sério!

    Aramis olha para Athos que continuava a parecer que estava longe dali. Aramis sentiu algo a apertar-lhe o peito, abanou a cabeça, como quem tentava afastar da mente uma ideia fixa. Estava a ver coisas onde essas não existiam, Athos era um bom amigo e se este descobrira alguém com quem partilhar a sua vida era motivo para alegria não para… ciúmes… sim, eram ciúmes, mas Aramis supôs que até os amigos podem sentir algum tipo de ciúme, deveria ser isso, o hábito de ter Athos ali sempre disponível e prestável e agora ele estava para lá de longe. Aramis sabia muito o que era o amor e como esse podia ser inebriante, mil vezes pior que a maior ressaca que alguma vez se poderia vir a ter.
    O Capitão Treville que acabara de descer do seu escritório, aproximou-se do trio, os três fazem a continência da praxe ao superior.

    - Estejam à vontade… os novos recrutas, já os viram?!
    - A maior parte parece que ainda nem largou os “cueiros(1)”! – comentou Porthos.
    - Se um terço passar as provas será milagre… - Athos afasta-se da árvore – não têm cara de ter tido quaisquer formação militar, quer a segurar uma espada, ou a disparar um mosquete.
    - Talvez se lhe dermos umas fisgas acertem em algo – disse Aramis de uma forma trocista.

    O Capitão soltou uma gargalhada sonora que ecoou pelo pátio, chamando a atenção dos presentes.

    - Fica a vosso critério então, separar o trigo do joio, lembrem-se que alguns podem ser ou parecer inexperientes, mas no futuro virem a revelar-se grandes mosqueteiros… e indispensáveis à segurança de Sua Majestade e do Reino. – Olha para Aramis.
    Aramis compreendeu a mensagem do velho Capitão, parecia que este ainda não estava propriamente de acordo com o afastamento de Aramis dos mosqueteiros, sim porque a revelação do seu segredo seria o sinónimo da sua demissão do Corpo de Mosqueteiros. No fundo a decisão estava tomada, mas era verdade que não queria abandonar aquela vida, era feliz como mosqueteiro, e a da sua liberdade adquirida como “homem” sem isso o que faria da vida? Teria provavelmente que regressar a Noisy-Le-Sec… ingressar num convento passara-lhe pela cabeça, que sitio melhor para se afastar dos dias de morte e guerra… do que acabar a vida em Paz, refugiada de olhares condenadores.

    Alinhavam-se então no pátio jovens recrutas, notava-se algum nervosismo presente, de facto alguns pareciam muito jovens, provavelmente muitos teriam mentido na sua verdadeira idade, para poderem participar nos testes exigidos, para ser considerados como Cadetes de mosqueteiros, aqueles que chegassem a esse estatuto teriam muitas mais hipóteses de ingressar no futuramente no Corpo de mosqueteiros, e em especial fazer parte da guarda pessoal do Rei. A proximidade ao Rei e à Corte era de facto o que motivava muitos daqueles jovens, era um trabalho perigoso, mas bem pago, com muitos privilégios, quem sabe se um dia conseguiam chegar a ter um posto mais elevado na sociedade, como nobres… ter terras, sair assim da pobreza.

    - Olha para eles, Aramis! – Disse Porthos. – São miúdos! O que vamos nós fazer com eles?!

    Aramis olhou para os recrutas um a um, as idades variavam, mas de facto os mais novos eram demasiadamente jovens, o olhar de Aramis fixou-se num recruta em especial, este teria a mesma idade de Aramis, mas houve algo que a gelou dos pés à cabeça… o jovem fixou-a nos olhos… não, não podia ser mas era… Nial… desde que tinha aceitado o noivado com François que este tinha simplesmente desaparecido de Noisy-le-Sec, sem deixar rasto. Cresceram juntos, eram bons amigos, apesar de Nial ser nada mais que um moço de recados e ela nascida no seio de uma família fidalga, tal situação nunca impediu a grande amizade entre os dois, mas Renée sempre desconhecera o amor que este nutria em segredo por ela, até ao dia que lhe disse: “- Estou noiva, Nial! Vou-me casar, com o François!” Alegria que não fora partilhada pelo jovem, que desde então desaparecera. Agora ele estava ali e fixava-a fixamente, ele sabia quem ela era… há quanto tempo estaria ele por perto sem que se tivesse apercebido?!

    (1) Fraldas

    O que irá acontecer agora? Cabe ao próximo decidir Razz (Eh! Eh! Eh! Eh! acabei de gerar uma dor de cabeça!)
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    Mensagem por Anbel Sáb Mar 06, 2010 1:34 pm

    Capítulo III
    Um dia de calor e recordações


    O Capitão de Tréville foi para o pátio e colocou-se em frente dos candidatos a mosqueteiros preparando-se para fazer o seu discurso da praxe. Era sempre seu hábito dizer algumas palavras moralizantes àqueles jovens. Sabia-se que nem todos seriam admitidos mas pelo menos aquelas palavras poderiam dar algum conforto aos que não conseguissem entrar…
    Mas desta vez nem todos prestavam atenção ao que era dito…



    Athos remoía o conteúdo da carta e a decisão que mais cedo ou mais tarde teria que tomar.

    Apesar do calor abrasador Aramis não conseguia deixar de sentir um arrepio de frio a percorrer-lhe todo o corpo…Nial…era ele, sem dúvida alguma…Mas o que faria ali? E será que a tinha reconhecido?

    Por um momento a sua mente divagou e levou-a ao passado ao tempo que ainda estava em Noisy-Le-Sec…Nial tinha sido um companheiro de brincadeiras, um confidente, um amigo, mas tudo isso tinha acabado no dia em que ele pura e simplesmente desaparecera sem nada dizer…nem sequer se despedira da família…e agora estava ali em frente dela… mas porquê e para quê? Eram estas as questões que ressoavam no seu pensamento.

    Por seu lado Nial também não ouvia as palavras do Capitão pois não estava ali pela ambição de ser mosqueteiro…aliás nunca sonhara com isso…Para ele a ideia de felicidade passava por uma existência tranquila na sua Noisy-Le-Sec natal. Mas a vida é curiosa e por vezes os caminhos trilhados não são aqueles que se imaginam e isso acontecera a Nial. Nunca pretendera abandonar a sua terra mas um belo dia partira com o coração destroçado…como é que ele poderia ficar sabendo que a mulher que amava se preparava para casar com outro? Não o suportara e partira precipitadamente…mas a pouco e pouco percebera que amar significava aceitar a felicidade do outro por muita dor que isso causasse e se François fazia Renée feliz quem era ele para se opor a isso? Ao aceitar o inevitável Nial regressara a Noisy-Le-Sec apenas para descobrir que François jazia num frio túmulo e que Renée se evaporara no ar…Nessa altura ele maldissera os seus tristes ciúmes que o tinham levado a fugir…Porquê que o tinha feito?



    Nial não poderia dizer que os Herblay fossem más pessoas pois sempre o tinham tratado com respeito e consideração apesar de pertencerem a classes sociais diferentes. Eram um casal já de uma certa idade que não fora agraciado com o dom da paternidade, pelo que tinham recebido de braços abertos a pequena Renée quando os pais dela tinham falecido. Embora os laços de parentesco que os uniam fossem ténues eles sempre a tinham tratado com todo o carinho e afecto que se podia dar a uma jovem. Deram-lhe uma boa educação e preparavam-se para coroar o seu trabalho de tutores providenciando um bom casamento á jovem. Naquela época era costume assegurar o futuro das donzelas procurando bons partidos que as pudessem sustentar e dar-lhes uma boa vida e neste caso os Herblay não eram excepção. O normal era procurar providenciar a parte monetária enquanto os sentimentos deveriam surgir depois…quando surgiam…

    Por isso o aparecimento de François até acabara por ser uma maravilhosa bênção para todos eles. Por um lado os velhos tutores poderiam sentir que tinham cumprido o seu dever entregando a jovem a um bom partido enquanto ela se casaria completamente apaixonada, algo extremamente raro nas classes sociais da época. Mas o destino é traiçoeiro e tudo acabara numa terrível noite de tempestade quando o tenebroso bandido conhecido como o “Camelo” atacara a mansão de François.

    Renée ficou destroçada com aquele acontecimento e só queria ficar sossegada a fazer o seu luto. Obviamente que gostaria de ter contado com o amparo do seu amigo e confidente Nial mas ele não estava ali para a apoiar.

    Quanto aos Herblay eles até estavam dispostos a deixá-la ultrapassar aquele mau momento mas o destino conspirador ofereceu-lhes uma oportunidade que nenhum tutor poderia deixar escapar…um conde amigo de François tinha ficado encantado com a jovem noiva e sabendo-a disponível tinha apresentado uma proposta extremamente sedutora. Como é que se poderia recusar aquela oferta? Casar com um nobre, filho de um Marquês era uma enorme felicidade mas casar com um Conde também não era nada de rejeitar principalmente quando ele possuía uma grande mansão às portas de Paris. Para os velhos tutores esta era a grande oportunidade de assegurar o futuro de Renée principalmente no momento em que a saúde do senhor Herblay não atravessava um dos melhores momentos. Renée casaria bem e iria para a capital onde poderia inclusivamente conhecer o Rei e fazer parte da Corte.
    Nesta altura é que o conflito se instalou entre eles…Renée queria tempo para chorar François enquanto os seus tutores se preocupavam mais com o seu futuro imediato…

    Ninguém percebia como é que ela poderia recusar casar com um conde para chorar um homem que nem era seu marido…não fazia sentido para os fidalgos da época que consideravam que se tratava do capricho de uma menina mimada que não sabia como a vida era difícil. Este seria um dos motivos que acabariam por levar Renée a partir…queria conhecer a vida real…livrar-se daquele conde e procurar o assassino de François.
    Por isso um belo dia desaparecera deixando apenas uma breve mensagem de despedida.



    Pouco tempo depois, Nial reaparecera em Noisy-Le-Sec e ficara ao corrente de tudo o que tinha acontecido…odiara os seus tristes ciúmes mas era tarde demais para remediar a situação. Sabendo da grande amizade que sempre existira entre Renée e Nial, os velhos senhores chamaram-no á mansão para saber se ele os poderia ajudar de algum modo a encontrar a jovem desaparecida pois temiam por ela. Como é que uma adolescente mimada e despreocupada com a vida poderia sobreviver naquele rude mundo? E isto sem contar com a fúria do Conde que jurava vingar a afronta cometida pela triste noiva que o tinha deixado pendurado alguns dias antes do casamento…

    Os velhos Herblay sentiam falta da alegria que Renée trouxera às suas vidas mas naquele momento temiam muito mais pela sua segurança pois o noivo frustrado proclamava aos quatro ventos a sua intenção de aplicar uma severa punição á jovem fugitiva. Por esse motivo chamaram Nial á sua presença e fizeram-lhe um pedido: procurar Renée para a proteger.

    Nial não se fez rogado em cumprir essa missão pois era algo que tencionava fazer mesmo que ninguém lho pedisse. Com essa intenção em mente, voltou a abandonar Noisy-Le-Sec para percorrer todos os caminhos de França…foi para Norte, para Sul, para Leste, para Oeste…Procurou nas grandes cidades, nas pequenas vilas…nas grandes casas senhoriais, nos conventos…até chegara a ir aos bordéis em busca da jovem…mas tudo se revelava infrutífero pois Renée não estava em nenhum sítio. Nial passara anos nesta demanda e já começava a perder a esperança de vir a ser bem sucedido. Temia que a jovem tivesse saído de França…embarcado para o Novo Mundo…ou que nalgum momento de maior dor tivesse cometido alguma imprudência…

    A situação era complicada e Nial preparava-se para voltar a Noisy-Le-Sec. De vez em quando ia a casa visitar a família e procurar saber novidades antes de voltar a partir para percorrer as estradas do Reino. Desta vez decidiu fazer um desvio por Paris como já tinha feito noutras ocasiões…gostava de andar pelas ruas da capital para saber quais eram as novidades da Corte.



    *****



    Um belo dia ainda no início do Verão Nial percorria as movimentadas ruas de um dos mercados de Paris. O dia ainda mal amanhecera mas prometia ser quente, pelo que as pessoas se apressavam a fazer as suas compras para mais tarde poderem escapar do Sol abrasador que prometia aparecer. Nial não procurava nada de especial, apenas vagueava tranquilamente pelo meio da multidão até que algo lhe chamou a atenção. Tratava-se de um riso demasiado familiar…demasiado conhecido…mas era preciso procurar a sua origem. Esta tarefa era um bocado complicada devido á quantidade de pessoas que percorriam as ruas mas depois de algum esforço lá conseguiu descobrir a sua proveniência. Vinha de um elegante jovem louro que procurava escapar às investidas de um pequeno vendedor de flores que á força procurava impingir a sua mercadoria.

    - Por favor senhor…comprai as minhas flores…são das mais belas de Paris.

    - Não quero - Respondia o esbelto transeunte - não preciso de flores.

    - São para a vossa senhora – Insistia o pequeno vendedor.

    - Não existe nenhuma senhora – Continuava o jovem.

    - Pois…mas se comprardes as mais belas flores de Paris com certeza que resolvereis esse problema – Respondia o miúdo.

    - Está bem…acho que não desistes facilmente. Por isso vou levar algumas flores…mas quero as mais bonitas – Pediu o delicado cavalheiro soltando um riso cristalino.

    - Ides arranjar uma namorada…ides ver – Retorquia o vendedor piscando o olho.

    Nial assistia a esta conversa á distância sentindo que havia algo terrivelmente familiar naquele jovem embora não conseguisse perceber o que era. Mas como ainda estava demasiado longe tinha que procurar aproximar-se o que era difícil pois no meio existiam bancadas, vendedores e transeuntes que não facilitavam em nada esta tarefa. Quando finalmente conseguiu chegar ao lugar já o comprador das flores tinha desaparecido no meio da multidão. Não lhe restou outra alternativa que não fosse interrogar o pequeno vendedor mas este também não sabia responder às várias perguntas que lhe estavam a ser colocadas.

    Fosse como fosse, Nial estava curioso e pretendia saber porque é que aquele riso lhe tinha parecido tão conhecido. E como não tinha pressa em regressar a Noisy-Le-Sec decidiu ficar em Paris para satisfazer a sua curiosidade.

    Nos dias que se seguiram Nial ia religiosamente àquele mercado percorrendo afincadamente todas as ruas, sempre na esperança de voltar a ver o misterioso cavalheiro louro que tanto o intrigara. Ainda passaria uma semana antes que as buscas de Nial fossem bem sucedidas.



    *****



    Uma bela manhã quando percorria as ruas do mercado Nial vira ao longe o homem que á tanto procurava…o misterioso louro que chamara a sua atenção. Decidido a não o perder de vista Nial correu com todas as suas forças determinado em pôr tudo em pratos limpos. Seguiu-o pelas ruas de Paris até que ele entrou numa enorme casa. Cansado e ofegante depois de tão longa corrida, Nial esperou alguns minutos pois queria recuperar forças antes de continuar a sua missão.

    Quando se sentiu melhor, aprumou-se e entrou no pátio do enorme edifício. De imediato apareceu um homem fardado que lhe perguntou o que pretendia. Nial improvisou e disse que lhe parecera ter visto um conhecido a entrar naquele sítio. O mosqueteiro, pois aquele era de facto o Quartel Geral dos Mosqueteiros disse-lhe que quem tinha entrado era Aramis, um dos melhores mosqueteiros de Sua Majestade e acabou por lhe perguntar se por ventura pretendia candidatar-se ao Corpo de Mosqueteiros uma vez que as provas de selecção iriam começar dentro de algumas semanas. Como não era a ambição de ser mosqueteiro que o levava ali, Nial ignorou tudo o que se referia a esse assunto procurando concentrar-se no que dizia respeito ao mosqueteiro Aramis. Rapidamente ficou a saber donde ele era e há quanto tempo estava na Companhia, informações que considerou serem muitas curiosas. Foi então que uma ideia começou a matutar na sua mente…será que o mosqueteiro Aramis poderia ser na realidade a pessoa que ele procurava á tanto tempo? Será que Aramis e Renée seriam a mesma pessoa? É que existiam demasiadas semelhanças…

    O assunto tinha que ser aprofundado e que melhor maneira para o fazer do que candidatar-se aos Mosqueteiros? O grande problema desta ideia é que Nial não tinha assim tanto jeito para usar a espada e o mais provável era ser imediatamente excluído. Mas o gentil mosqueteiro que se encontrava á porta parecia ter solução para esse problema…aulas de esgrima. Não seria difícil encontrar algum militar que em troca de algum dinheiro pudesse providenciar alguns ensinamentos na arte do manejo da espada, incluindo o próprio mosqueteiro que se encontrava ali a falar com ele.
    A ideia pareceu-lhe soberba e Nial não se fez rogado em aceitar a proposta.

    Nos dias e semanas que se seguiram treinou afincadamente sempre com o objectivo de melhorar a sua técnica e de poder ser digno de entrar na Companhia.



    *****



    Finalmente o grande dia chegou e Nial apresentou-se no Quartel Geral dos Mosqueteiros tal como todos aqueles que ambicionavam envergar o uniforme. A manhã estava abafada e não havia sinais de que o tempo pudesse arrefecer tão cedo pois a brisa que soprava do Sena era bastante quente.
    Nial tremia perante a expectativa de fixar Aramis nos olhos. Tinha-o seguido e vigiado nas semanas anteriores mas não conseguira perceber se de facto se tratava de Renée. Mas agora esperava que todas as dúvidas e incertezas se dissipassem ao ficarem frente a frente.
    Nial estava tão submerso nos seus pensamentos que nem se apercebeu que o discurso do Capitão de Tréville tinha acabado. Só quando sentiu movimento á sua volta é que regressou á realidade.

    A inspecção ia começar. A primeira fase consistia em entrevistas que seriam feitas aos candidatos no sentido de se perceber quais eram os motivos que os levavam a querer ser mosqueteiros. Aqueles que ali estavam apenas por motivos fúteis ou que não demonstrassem ter qualidades necessárias de coragem e altruísmo eram imediatamente eliminados e já nem teriam que prestar mais nenhum outro tipo de prova. Para ser mosqueteiro era preciso muito mais do que saber manejar uma espada ou disparar um mosquete. Era preciso ter também espírito de sacrifico, humildade e estar disposto a dar a vida pelo Rei e pela França e por isso todos aqueles que iam para ali só porque achavam que o uniforme lhes ficava bem eram imediatamente postos de parte sem terem qualquer hipótese de mostrar outros dotes.
    Aramis tremia perante a possibilidade de ter de ficar frente a frente com Nial mas a sorte esteve do seu lado e os seus caminhos não se cruzaram na altura das entrevistas. É que Aramis sabia que não teria capacidade de o fitar nos olhos se tal acontecesse.

    E assim se passou a manhã. Estava na altura de se fazer a pausa para o almoço. Cerca de metade dos candidatos teriam sido excluídos por não terem o perfil psicológico necessário. Aramis precisava de saber se Nial tinha passado aquela fase, saber se ele iria ficar para a etapa seguinte. Para isso aproximou-se cautelosamente das listas para ver se Nial tinha sido eliminado mas para mal dos seus pecados ele iria passar á fase seguinte, á fase das provas propriamente ditas.
    Isto fê-la suspirar mas estava decidida a nada fazer para interferir com o futuro dele…a sua entrada ou não nos mosqueteiros seria decidida pelo Destino e ela não queria ter nada a ver com isso.

    Entretanto os seus pensamentos foram interrompidos por Porthos que se aproximou dela e quase que a arrastou para o almoço.
    Nial observou esta cena á distância…tinha esperança de se poder aproximar de Aramis para poder verificar se se tratava efectivamente de Renée mas até ao momento os seus esforços tinham saído gorados. Mas não podia perder as esperanças pois com toda a certeza outras oportunidades se seguiriam.



    *****



    O almoço tinha acabado e era tempo de voltar ao trabalho. A tarde prometia ser de calor e o pior é que agora as coisas iam aquecer pois os experiente mosqueteiros tinham que testar se os candidatos que ultrapassavam as entrevistas da manhã tinham ou não capacidades de luta e defesa.
    As listas com os nomes estavam disponíveis. Se os outros mosqueteiros não ligavam muita importância ao que lá estava, o mesmo não se podia dizer de Aramis que pegou ansiosamente na sua lista para ver se o tão temido nome lá estava…mas mais uma vez o Destino era generoso pois o nome de Nial não constava dos candidatos que ela tinha que examinar…menos mal.
    Como o ar estava ardente os examinadores e os examinados eram autorizados a despir os gibões ou casacos que porventura tivessem. O Capitão de Tréville não iria obrigar ninguém a suportar mais sacrifícios do que aqueles que fossem estritamente necessários. Quase todos os presentes aceitaram de bom grado aquela sugestão pois o ar estava realmente demasiado sufocante…todos com excepção de um que não se podia dar ao luxo de revelar muito de si especialmente com Nial por perto… Mas desde que tomasse as devidas precauções tudo iria correr bem.

    A tarde foi-se passando o melhor que se podia dadas as circunstâncias. Procurava-se perceber se os candidatos tinham aptidões para manejar uma espada ou disparar um mosquete. Mesmo que muitos ainda não tivessem essas capacidades era preciso saber se as poderiam aprender com o tempo.
    Parte daqueles jovens nunca conseguiria assimilar a arte da esgrima mas outros só teriam que ter o treino adequado pois a habilidade estava lá só precisando de ser devidamente desenvolvida.

    E assim o dia foi decorrendo tranquilamente. A agitação da manhã foi dando lugar a um clima de maior tranquilidade á medida que os candidatos rejeitados abandonavam as instalações. Os outros, os que tinham esperança procuravam sair do Sol abrasador que teimava em não dar descanso naquele dia.

    Athos, Porthos e Aramis cumpriam as suas funções de examinadores tal como outros mosqueteiros. O dia estava a ser longo e o cansaço já se fazia sentir contagiando o próprio Sol que começou a dar sinais de tréguas começando também ele a descer no horizonte.

    Porthos foi o primeiro dos três a ficar despachado. Talvez o seu ar imponente e a sua força monumental assustassem alguns daqueles candidatos que não conseguiam provar o seu valor perante aquele enorme gigante. Ao acabar a sua tarefa foi ter com o Capitão para lhe apresentar os seus resultados.

    Aramis também não se estava a sair nada mal. Embora não possuísse a força de um homem, tinha desenvolvido uma outra técnica que lhe permitia manejar habilmente a espada e por isso conseguira eliminar alguns dos candidatos mais fanfarrões que julgavam que seria fácil derrotar aquele mosqueteiro de ar frágil e delicado.

    O que estava a ter mais dificuldades era Athos. Talvez não se concentrasse completamente na sua missão ou talvez tivesse tido o azar de ficar com os pretendentes mais ágeis. O que é certo é que ainda tinha que testar alguns jovens quando Aramis estava a acabar a sua parte.

    Quando viu que estava a lidar com o último candidato Aramis suspirou de alívio pois significava que não teria que encarar Nial naquele momento. Com tantas coisas para fazer naquele dia ainda não tinha assimilado muito bem a sua presença mas agora que já tinha feito tudo era tempo de reflectir sobre a situação. Mas para já a sua grande prioridade era refrescar-se um bocadinho pois com o gibão vestido era praticamente impossível conseguir sentir alguma brisa que porventura pudesse soprar por ali.

    - Aramis, já acabaste? – Era a voz familiar de Athos que a interrogava.

    - Sim, já acabei - Respondeu ela.

    - Parece que eu é que fiquei para o fim. Já todos acabaram menos eu…quase que diria que fiquei com os candidatos mais difíceis…ou se calhar sou eu que estou a ficar velho – Continuou Athos soltando uma pequena gargalhada. – Acho que é este calor que também não ajuda nada.

    - Pois tens toda a razão - Retorquiu Aramis sorrindo – Hoje está mesmo um dia impossível…muito difícil de suportar. Mas diz-me, Athos, ainda faltam muitos?

    - Ainda tenho que examinar mais três candidatos. Apenas aproveitei para fazer uma pausa e beber alguma coisa. - Dizia Athos com um ar extremamente pesaroso.

    - Pois, porque é que não me mandas um deles? Não me importo nada de o examinar… - Propôs Aramis.

    - A sério? Não te importas? É que me parece que estás um bocado fatigado…eu até estava á procura do Porthos mas não o encontro… Não percebo como é que consegues aguentar este calor tórrido com toda essa roupa. Sinceramente eu não aguento. – Continuou Athos.

    - Ora Athos…não é assim tão difícil como isso. É tudo uma questão de hábito, de disciplina, de prática. Como mosqueteiros temos que estar preparados para lutar em qualquer circunstância independentemente do tempo que fizer – Dizia Aramis ligeiramente irritada com o assunto.

    - Pronto…está bem…está bem…não te aborreças com isso. Ainda me ajudas ou não? – Questionava Athos.

    - É claro que ajudo. Não é o “Um por todos e todos por um?” – Respondeu Aramis esboçando um longo sorriso – Manda-me um deles…entretanto pode ser que Porthos apareça por aqui e teste o outro.

    - Vou já tratar disso…quanto mais depressa melhor – Dizia Athos enquanto se afastava todo satisfeito.


    Aramis suspirou. Não podia ver a hora em que pudesse sair dali e ir para casa tomar um refrescante banho mas também não se podia ir embora sabendo que os amigos precisavam de ajuda. Passou o lenço pela cara e pegou na espada. Só faltava uma inspecção, um teste, antes de poder sair dali. Estava quase…

    Os pensamentos de Aramis foram interrompidos pelo som de passos que se aproximavam. Virou-se para encarar o candidato mas quando o viu todo o seu ser ficou gelado pois tratava-se nada mais, nada menos do que Nial… Os seus piores pesadelos confirmavam-se…Nial estava á sua frente pronto para ser testado por ela…

    Mas Aramis não era o único a ficar estupefacto pois Nial também não queria acreditar no que os seus olhos viam. Apesar de desejar confrontar aquele mosqueteiro de traços delicados e finos pretendia fazê-lo de outra maneira e noutro sítio uma vez que ainda não tinha a certeza absoluta sobre a sua identidade. Mas o Destino conspirador tinha outros planos e agora não havia como recuar. Tanto Aramis como Nial tinham que se recompor o mais rapidamente possível e encarar a situação o melhor que soubessem…e pudessem…

    Nesse sentido Aramis empunhou a espada:

    - Acho que é melhor despacharmos isto…quanto mais depressa melhor… - Disse ela secamente.

    Nial nada fala. Questionava-se procurando saber se Aramis e Renée poderiam ser de facto a mesma pessoa. É que se por vezes lhe parecia que sim, noutras ocasiões achava que não havia nada de comum entre elas. Renée era muito feminina e delicada quase se podendo dizer que seria completamente incapaz de manejar uma espada com mestria enquanto Aramis era apenas um dos melhores mosqueteiros de Sua Majestade. Será que podia haver algo em comum entre eles? Nial não teve tempo de aprofundar estes pensamentos pois a espada de Aramis aproximou-se perigosamente da sua cara.

    - Então começamos ou não? É que o dia foi longo e se não estais interessado em mostrar-me as vossas capacidades bem podemos ficar por aqui – Dizia Aramis em tom aborrecido.

    - Por favor desculpai-me…comecemos então… - Nial procurou recompor-se o mais depressa possível. Se queria entrar para os mosqueteiros tinha que fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para mostrar que tinha todas as capacidades para o fazer.

    Nial depressa compreendeu porque é que Aramis era considerado um dos melhores esgrimistas do Reino. Aquilo que porventura lhe pudesse faltar em força era compensado pela sua grande habilidade em manejar a espada. Nessa altura Nial começou seriamente a duvidar que estivesse perante Renée D’Herblay pois a jovem que conhecera nunca seria capaz de fazer tal coisa. Enfim, tudo não passara de delírios da sua mente…Mas também não era tempo para pensar pois a espada de Aramis atravessava furiosamente o ar na sua direcção e ele tinha de se defender. Acreditando que não se encontrava perante Renée, Nial começou a fazer uso do que tinha aprendido e embora não estivesse á altura daquele mosqueteiro iria fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para conseguir ser admitido.

    As espadas atravessavam o ar e cruzavam-se impetuosamente…nenhum deles pretendia ceder mas então algo aconteceu.

    Num dos momentos em que as espadas se cruzaram, Nial e Aramis ficaram muito próximos, tão próximos que Nial conseguiu sentir o seu perfume…Aquele era um aroma muito familiar…demasiado familiar…era o mesmo que Renée usava, talvez não tão intenso mas era o mesmo e agora já não havia dúvidas. Por uns breves segundos, Nial olhou para os olhos de Aramis e aí acabaram-se as incertezas pois aqueles eram os olhos mais bonitos que ele alguma vez tinha visto. Quando ainda estava em Noisy-Le-Sec com Renée, Nial costumava observar todos os pormenores daquela bela jovem que tanto o encantava e normalmente perdia-se na imensidão do seu olhar desejando profundamente que ela conseguisse alguma vez perceber o que lhe ia no fundo do coração. Mas infelizmente para ele, isso nunca acontecera…

    Mas agora todas as dúvidas e incertezas se dissipavam…Aramis e Renée eram a mesma pessoa…

    - Renée… - Murmurou Nial.

    Apesar de ser apenas um murmuro foi suficientemente perceptível para que Aramis o ouvisse…o seu corpo gelou e por momentos foi como se tivesse ficado solidificada no tempo. Pura e simplesmente ela parou…

    Embalado por aquele movimento Nial continuou sem se aperceber que Aramis não acompanhava a sua acção… Entusiasticamente lançou-se sobre o examinador…a espada que ela segurava na mão simplesmente voou pelo ar. Arrebatado pelo seu êxito Nial continuou fazendo a sua espada avançar na direcção de Aramis. Ao ver o brilho cintilante que se aproximava ela procurou afastar-se mas parecia que o seu corpo não queria obedecer…quis recuar dando um salto para trás mas as pernas não se moviam…instintivamente o seu tronco afastou-se mas como não era acompanhado pelos membros inferiores gerou-se um desequilíbrio que fez com que ela lentamente começasse a cair…

    Apercebendo-se do que se estava a passar com a sua querida Renée, Nial não pensou em mais nada…era preciso ajudá-la, impedi-la de cair…Com esta ideia em mente também ele largou a espada e atirou-se na direcção de Aramis com o objectivo de a agarrar mas como a pressa é inimiga da perfeição a única coisa que ele conseguiu foi desequilibrar-se e cair ele também em cima de Aramis.

    De um momento para o outro ficaram os dois caídos no chão…Aramis em baixo e Nial em cima.

    Nial estava extremamente envergonhado com aquela situação…Procurava levantar-se e ajudar Aramis.

    - Por favor desculpa-me… Renée – Dizia ele embaraçado.

    Ao ouvir pronunciar aquele nome Aramis ficou furiosa.

    - Sai imediatamente de cima de mim – Ao proferir estas palavras empurrou-o violentamente fazendo-o cair. Se nos segundos anteriores ela tinha ficado gelada agora fervia de raiva pois tinha a certeza absoluta de ter sido reconhecida. E com aquela prestação não havia como impedir Nial de entrar nos mosqueteiros, especialmente porque havia testemunhas. Ao levantar-se Aramis apercebeu-se das presenças de Athos e Porthos que visualizavam aquela cena sem perceberem o que acontecia.

    Naquele momento Aramis só queria sair dali sem dar muita explicações. Pegou rapidamente na sua espada e passou pelos amigos sem nada dizer. Tanto Athos como Porthos ainda tentaram chama-la mas naquele momento era impensável para ela conseguir fita-los nos olhos pois sentia-se extremamente envergonhada pela sua prestação para além de ter de pensar no que iria fazer de seguida.

    Athos e Porthos entreolharam-se e encolheram os ombros. No fundo a responsabilidade de decidir se Nial entrava ou não no Corpo de Mosqueteiros pertencia a Athos pois era ele que tinha de o testar. Aramis apenas lhe prestara um favor, mas depois do que tinham visto não podiam pura e simplesmente exclui-lo sem lhe darem uma oportunidade de mostrar se tinha capacidade ou não para ser mosqueteiro. Para além disso a inspecção tinha sido uma grande desilusão pois a maior parte dos recrutas não tinha a mínima capacidade de um dia poder vir a empunhar uma espada pelo que não se podiam dar ao luxo de excluir aqueles que demonstravam ter alguma capacidade como era o caso de Nial.


    Aramis afastou-se dirigindo-se para o recanto do pátio onde estava a mesa com os recipientes de água fresca. Naquela altura em que o fim do dia se aproximava já eram poucas as pessoas que deambulavam por ali. Precisava de se refrescar depois de um dia com tantas emoções. Enquanto bebia lentamente a água fresca procurava reflectir nos últimos acontecimentos mas os seus pensamentos foram interrompidos por uma voz demasiado familiar.

    - Renée…

    Ao ouvir aquela palavra ela estremeceu…Será que Nial não lhe ia dar tréguas?

    - O nome é Aramis – Disse ela virando-se repentinamente.

    - Não…és a Renée – Continuou ele convicto.

    - Estais a confundir-me com outra pessoa – Respondeu ela. – Já vos disse que me chamo Aramis.

    - Não me tentes enganar…Renée…Sei que és tu…Com toda a certeza - Insistia Nial. – Nem sabes como te tenho procurado…durante tanto tempo…

    Nial tentava aproximar-se mas Aramis afastou-se dizendo:
    - Já vos disse que estais a fazer confusão…por favor bebei um pouco de água pois parece-me que estais a precisar de vos refrescar… em todos os sentidos…

    Proferindo estas palavras Aramis pousou a caneca que estava a usar e afastou-se não dando hipóteses a Nial de dizer mais alguma coisa.

    Pelo caminho cruzou-se com Porthos que se aproximava todo sorridente.

    - Ah…Aramis…estava mesmo á tua procura. Agora que já acabámos não te queres ir refrescar? Convidei o Athos mas ele não quer…acho que está amuado…Se nos juntássemos os três até podíamos dar um mergulho no Sena porque com este calor apetece mesmo…mas já me esquecia…tu não gostas de nadar no rio… Sabes, um dia destes vais ter que me explicar essa tua mania de nunca quereres nadar no rio embora passes a vida a tomar banho em casa…É que sinceramente não percebo como podes achar mais divertido tomar banho numa tina minúscula em vez de nadar naquela imensidão de água…mas tu lá sabes.

    - Porthos…desculpa…mas o dia foi comprido e estou cansado…e acho que vou aceitar a tua sugestão de ir para casa tomar um bom banho.

    - Aramis – Porthos estava com um ar interrogatório – o que aconteceu com o último candidato? Por momentos pareceu que não estavas bem…

    Aramis sorriu ligeiramente pois percebeu que os amigos tinham assistido a tudo.

    - Queres saber o que aconteceu Porthos? Uma visita ao ferreiro…um dia muito quente…muitos candidatos…algum cansaço…Achas que é pouco?

    - Tens razão…é que por momentos ainda pensei que estivesses a perder qualidades… -Respondeu Porthos soltando uma sonora gargalhada.

    - És incorrigível meu amigo – Continuou Aramis suspirando.

    - Está bem, está bem…mas olha não queres ir comer alguma coisa naquela tasquinha que dá para o Sena? Íamos lá, comíamos alguma coisa, refrescávamo-nos e falávamos destes fedelhos todos que vão passar a ser nossa responsabilidades…Que me dizes ah?

    - Desculpa mas hoje não vai dar…estou demasiado cansado para isso…só quero ir para casa…Fica para outro dia está bem?

    Porthos encolheu os ombros resignado. Detestava ficar sozinho mas que outra alternativa é que tinha? Praticamente todos os seus amigos e conhecidos tinham abandonado as instalações só restando aqueles que tinham de ficar de serviço. Mas Porthos não se conformava com esta possibilidade e olhou á volta esperançado em encontrar alguém que o pudesse acompanhar. Foi então que reparou em Nial que continuava no mesmo sítio onde tinha ficado depois da troca de palavras com Aramis. Embora não o conhecesse sempre era uma alternativa tanto mais que Nial iria entrar na Companhia como aspirante a mosqueteiro.

    - Hei…tu aí – Gritou Porthos na direcção de Nial.

    Ouvir aquela potente voz fê-lo sair da letargia em que se encontrava. O que é que aquele colosso poderia querer dele? Será que Renée, ou melhor, Aramis, lhe tinha encomendado algum serviço? Talvez ele tivesse como incumbência tentar demovê-lo a não ir para os mosqueteiros mas naquele momento Nial estava completamente decidido a fazê-lo. Finalmente tinha encontrado Renée e agora não se iria afastar por nada.

    - Hei…mas tu és surdo ou quê? – Continuou Porthos – Estou a falar contigo…

    - Desculpai senhor – Disse Nial em tom envergonhado.

    - Bem, não há problema…Diz-me lá, o que vais fazer agora? – Questionou Porthos.

    - Agora?... Acho que não sei, senhor – Respondeu Nial sem perceber qual era o sentido daquelas perguntas.

    - Se não sabes tenho uma proposta para te fazer…Como é que é o teu nome? Já mo dizes…Bem…se não tens nada para fazer porque é que não me acompanhas? Estou a pensar ir comer alguma coisa…beber algo fresco…mas não me apetece ir sozinho…Será que não me queres fazer companhia?

    Nial sorriu ao ouvir o convite que lhe tinha sido feito. É claro que iria aceitar essa proposta com todo o prazer. Agora que tinha conseguido entrar nos Mosqueteiros era necessário fazer amizades e nada melhor do que começar por aqueles que eram amigos de Aramis…de Renée…


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    Mensagem por Lyrrinne Seg Abr 12, 2010 12:18 pm

    Capitulo IV
    O hóspede


    Porthos após ter dado umas valentes palmadas nas costas de Nial, com sua energia inebriante, capaz de atarantar qualquer um, conduziu o jovem aspirante ao “Fusil d'argent”, uma pequena mas sempre lotada taverna junto ao Sena, frequentada quase exclusivamente por jovens mosqueteiros. Porthos achou que seria um óptimo “baptismo” para Nial conhecer o ambiente extra militar dos mosqueteiros.
    Ao entrarem no recinto o barulho ali existente era indescritível, desde gargalhadas ruidosas a gritos de euforia, a alguma loiça partida e muita bebedeira à mistura. Porthos ao ver o ar do novo companheiro pousou a mão sobre o ombro deste.

    - Ah! Ah! Não te preocupes, com o tempo habituas-te.

    Porthos faz um gesto a uma das empregadas, que lhe sorri ao reconhece-lo, e indica uma mesa livre a um canto.
    Nial estava algo apreensivo com a presença do “gigante” Porthos ao seu lado, este ainda o intimidava um pouco, pensava inclusive que tinha tido muita sorte de não o ter defrontado nas provas de selecção nesse dia, de certo que não passaria da primeira ronda, reparara que do grupo de Porthos mais de metade tinha desistido por vontade própria só de o ver a lutar com o infeliz primeiro candidato, que tão cedo não irá esquecer aquele dia.
    Nial sentia-se aliviado por ter passado todas as provas, e estar agora bem mais perto de Renée, pousa calmamente o seu chapéu sobre um dos barris colocados ao lado da mesa, enquanto se sentava observa com curiosidade, o local onde se encontrava, e os homens que ali bebiam e se divertiam entusiasmadamente, em especial com algumas das empregadas que se davam a avanços mais atrevidos pela parte dos soldados, perguntava-se como reagiria Renée àqueles ambientes… Nial conhecia a bem a jovem desde tenra idade e de todo aquele parecia um local que esta estaria disposta a frequentar de livre vontade, mesmo que isso fizesse parte de se passar por um homem.

    - Senhor Porthos! Que alegria ver-vos por aqui, faz já algum tempo! - disse num tom entusiasmado a empregada que abordou a mesa.
    - Ah! Julie, encantadora como sempre! – Beija-lhe a mão - Como está o guisado de coelho?!

    A rapariga riu-se com gosto, agarrando-se a Porthos, com um à-vontade visível.
    - Aconselho-vos antes o estufado de borrego, está especialmente delicioso hoje! – senta-se atrevidamente ao colo de Porthos que parecia muito entusiasmado com a atenção da empregada.
    -De verdade, minha querida? – Sussurra algo ao ouvido desta que a fez corar - O que dizes Nial?... Nial?...

    Nial parecia perdido nos seus pensamentos.

    - Ah… sim… com certeza…
    - Relaxa homem, o pior já passou! – Ri-se e olha para a empregada – Novo aspirante a mosqueteiro, precisa de um “tratamento” especial!
    - Oh, estou a ver… parabéns, Senhor… mas, Senhor Porthos, - puxa o laço do colarinho do mosqueteiro - os vossos companheiros não se juntam a vós esta noite?!
    - Lamento Julie, mas o Aramis não virá esta noite… novamente!

    A atenção de Nial foi despertada de imediato pelo nome, reparou no rosto de desapontamento da jovem, estaria a ver e a ouvir coisas?... de certo que naquele ambiente estaria já a imaginar coisas, Renée ali? Deixaria aquelas mulheres fazer aqueles tipos de avanços, sem parecer estranho? Provavelmente não, pelo que tinha percebido era raro a presença dela por ali. Provavelmente iria de tempos a tempos para agradar os amigos e para não levantar demasiadas suspeitas.
    A empregada afasta-se então da mesa com os pedidos dos dois homens, não sem antes passar a mão sobre o ombro de Nial, este segurou a mão da jovem indicando-lhe que não estava interessado em nada mais do que uma refeição.
    A curiosidade que sentia era demasiadamente forte para a deixar passar e Nial necessitava conhecer esta nova Renée que se fazia passar por um jovem, e à sua frente estava um homem que parecia conhecer muito bem “este” tal Aramis. Antes de ter tido tempo para falar já Porthos estava pronto a indagar Nial.

    - Não me pareces ser de Paris!
    - Não, sou de Noisy… - Nial apercebe-se do erro tarde demais.
    - Noisy-le-Sec?! Ora, mas que coincidência, é a terra do Aramis!

    Era tarde para voltar atrás… teria que ter cuidado com aquilo que dizia, Renée tinha-se mantido incógnita durante aqueles anos todos, não queria que fosse por causa de um erro estúpido que a viesse a colocar de alguma forma em perigo, ninguém poderia desconfiar que se conheciam… pelo menos não para já.

    - Aramis… é mesmo o mosqueteiro com quem fiz o teste final… certo?
    - Sim, acho que o deixaste furioso… Ah! Ah!... Há muito que não o via tão irritado por ter sido deitado ao chão… de facto há anos que ninguém o fazia!
    - Tive sorte… - tentou sorrir e parecer descontraído - Parece que o mosqueteiro Aramis é bem conhecido por aqui…
    - Nem por isso, pois raras vezes o conseguimos arrastar aqui ao “Fusil d'argent”… o Aramis faz sucesso entre as mulheres mas é um tipo muito reservado… reservado até demais…
    - “Reservado”?!

    Sim, era obvio que seria “reservado”, todos os seus gestos e acções estariam nos olhares dos companheiros, quanto menos soubessem de si e do seu passado menos poderiam sondar caso desconfiassem de algo.

    - É um tipo calado… sendo órfão desde tenra idade, suponho que não queira partilhar muito do seu passado…
    - O passado pode assombrar o nosso presente de maneira inimagináveis… conhecem-se há muito tempo?!
    - Acho curioso esse teu interesse pelo Aramis! – O rosto de Porthos ficou apreensivo.

    Nial pisara o risco naquele momento, Porthos estava desconfiado pelo rumo que a conversa estava a levar, percebeu que o homem à sua frente era mais que músculos.

    - Ah! Nada disso! – Balbuciou atrapalhado – Mera curiosidade, é que foi um oponente muito difícil de derrotar!
    - Certo, se tendes curiosidade faz quase oito anos, que o Aramis faz parte do Corpo de Mosqueteiros… e que nos conhecemos.

    E fazia oito anos que tinha fugido de casa… deixando para trás a segurança que os familiares procuravam para si naquele casamento forçado. A empregada volta nessa altura com os pratos de ambos, Nial apesar de notar mais à-vontade, no mosqueteiro à sua frente, ainda temia ter ido longe demais com as perguntas. A sua ânsia de chegar perto de Renée… a ínfima esperança de recuperar os anos perdidos, de estar ao seu lado essa ânsia esteve prestes a destruir os seus planos.
    Ao longo do jantar as memórias do passado assombravam-lhe a mente, somente Porthos cortava estes pensamentos com as suas gargalhadas ruidosas e a maneira alegre com que contava as aventuras que tinha tido com os companheiros, até exagerando um pouco os feitos de cada um, em especial os seus! Nial rapidamente compreendeu que unia aqueles quatro, uma forte amizade, companheiros de armas e de mil e uma aventuras.

    - Ah, comemos que nem abades… Ah! Ah!…. – Porthos mete as mãos sobre o estômago algo dilatado.
    - Está fora de questão o tal mergulho no Sena, depois disto! – disse Nial, também ele sentindo-se pesado.
    - É verdade! Também faz-se tarde para isso… depois deste dia de certo que desejais descansar… falando nisso, onde estás hospedado?!
    - Não estou…- riu-se.
    - Como?!
    - De facto, tenho dormido junto à ponte… neste momento, tenho que reservar todo o dinheiro que me resta, para comer! – Suspira.

    Porthos fica algo surpreendido com o que Nial lhe contava.

    - Compreendo… não sois de Paris… recomeçar uma nova vida, nunca é fácil! Mas… esperai! – salta da cadeira - Tive uma ideia!
    Aceitais ser hóspede de um mosqueteiro? Só até ganhardes dinheiro suficiente para alugardes um lugar vosso!

    Nial, fica atrapalhado… ter uma cama quente e um tecto era desejável… mas, não queria expor-se em demasia…

    - Agradeço-vos, mas não quero abusar da vossa hospitalidade!
    - Oh, mas não falo de mim, a minha casa é muito pequena… falo do Aramis!

    O tempo parecia ter parado naquele instante…

    - O Aramis…? – Sentiu um suor frio a correr pela espinha.
    - Sim, não seria a primeira vez que “ele” acolhe alguém, tem uma casa grande e vive sozinho! Vamos, com sorte ainda o apanhamos acordado!
    - Mas… Senhor Porthos… - estava visivelmente atrapalhado - seria um abuso depois desta tarde!
    - Disparate homem! O Aramis ladra muito mas não morde! – Puxa Nial da cadeira.

    Porthos atira para cima da mesa algumas moedas como pagamento do jantar, e despede-se calorosamente de Julie que ficara desapontada com a ida antecipada do mosqueteiro. Nial algo apático agarra no seu chapéu e coloca-o sobre a cabeça, mas o que tinha acabado de acontecer?... Porthos estava mesmo a sugerir que fossem àquelas horas da noite pedir um tecto para ele na casa de… na casa da mulher que ele amara toda a vida e que fora estupidamente cobarde para nunca lhe revelar isso.

    - De facto Senhor, não sei se será boa ideia… é que…
    - Nada disso… nós os quatro, temos um lema, “Um por todos e todos por um!”
    - Mas sou um estranho… e… e…
    - Chega de lamúrias! Pareceis uma velha! Vamos… se tendes algumas coisas no sitio onde dormis vamos busca-las, agora!

    Sem tempo para muitas desculpas ou explicações Nial fora praticamente arrastado por Porthos para fora da taverna. Era complicado demover aquele colosso humano de uma ideia fixa e Nial estava a aprender isso da pior maneira possível, ou assim pensava.
    Pelo caminho fora Porthos falava alegremente de como ia ser bom para ele conviver com Aramis, visto que este era um mosqueteiro experiente e apesar de um pouco esquisito até era bom tipo, o convívio diário só lhe traria bons benefícios… chegou a um ponto que Nial o deixou de o ouvir… mas, de facto teria os seus benefícios viver, mesmo que por poucos dias, debaixo do mesmo tecto de… Renée… de repente algo se acendeu dentro de Nial, uma réstia de esperança no futuro, daquela vida feliz com Renée, que sonhava tantas vezes enquanto criança, mesmo que agora ela estivesse diferente daquilo que ele se lembrava, a Renée que ele amava ainda estava algures por debaixo daquele gibão azul e ele ia traze-la de volta.

    - Ah! Chegamos! Ainda há luz, temos sorte! Vamos desmontai!

    Porthos bate nas costa de Nial fazendo-o debruçar-se sobre o pescoço do cavalo, aquele homem tinha uma mão para lá do pesado e não media a força que tinha!
    Nial repara então na luz que cintilava no interior da casa de Aramis, reconhecia aquela rua, passara por ali varias vezes, estivera tão perto e tão longe.
    No seu quarto Aramis preparava-se para despir-se, tudo que desejava era enfiar-se na cama e esquecer o que se passara nesse di, estava já com o gibão aberto quando Porthos bate finalmente à porta. Não muito habituada a receber visitas tardias, Aramis sai do seu quarto e aproxima-se da porta de entrada da casa com cautela, mantendo escondido de encontro ao antebraço o pequeno punhal que a acompanhava sempre. A última visita que tivera àquela hora trouxera-lhe um duque inglês e um cavalo para dentro de casa… e mais tarde algumas dores de cabeça com Rocheford e Jussac.

    - Aramis, está tudo bem, é o Porthos! – Disse o mosqueteiro ao ouvir a madeira do soalho ranger do outro lado da porta.

    Apesar de surpresa reconhece-lhe rapidamente a voz, Aramis guarda o punhal na bota e abre-lhe a porta, mas o seu olhar fixa-se de imediato em Nial, que estava todo sorridente por detrás de Porthos. Olha de novo para Porthos que tinha um ar comprometido.

    - Passa-se algo Porthos?! – estava desconfiada.
    - Calma… Podemos entrar amigo?!
    - Sim… é claro… - afasta-se o suficiente para deixar os dois homens entrar.

    O olhar de Nial cruza-se como o de Aramis, deixando-a algo incomodada. Esta ainda olha na rua apreensiva e com algum receio que Porthos se tivesse metido nalguma alhada e que já arrastara Nial para as suas aventuras, mas a rua estava aparentemente calma, nada se ouvia a não ser o miar dos gatos e o relinchar de um dos cavalos presos à entrada.
    Aramis fecha a porta e só então repara no gibão aberto, que disfarçadamente fecha sem que os outros dois se apercebam, felizmente era de noite e naquele piso já tinha apagado quase todas as velas.

    - Desculpa aparecer assim Aramis, mas neste momento só tu podes ajudar aqui o bom rapaz!

    Nial temeu mais uma das palmadas de Porthos mas felizmente este só pousara a mão sobre o seu ombro. Aramis ergue a sobrancelha naquele seu gesto tão reconhecível para Nial.

    - De que forma posso ajuda-lo, Porthos?! – Parecia ignorar a presença de Nial.
    - Bem indo directo… podias dar-lhe hospedagem!

    Aramis ficara branca, quase todo o sangue parecia ter-lhe fugido das veias.

    - O QUÊ?!...

    A reacção que tivera causara o ladrar dos cães da rua que ficaram em alvoroço com o “guincho” que saíra da boca de Aramis antes que esta tivesse tempo de se controlar, o silencio ficara instalado na sala por alguns segundos, até que Nial resolve quebra-lo.

    - Foi muito abusivo aparecer assim e fazer este pedido… - retira o chapéu -…peço perdão, “senhor” Aramis!
    - Que se passa Aramis?! – Porthos indagou.

    Aramis tenta sorrir e forçar o que parecia ser mais um lamento do que um riso.

    - Ora… ah..ah… não se passa nada, Porthos! – O embaraço era visível.
    - Isso quer disser que ele pode ficar certo?!
    - Bem, não diss…
    - Estás entregue Nial, obrigadooooo amigãooo… – abraça Aramis de encontro ao peito deixando-a algo asfixiada com o aperto – …posso sempre contar contigo, aiiii… até me vêm as lágrimas aos olhos! É um samaritano este tipo, se não fosse mosqueteiro seria padre!

    Porthos larga Aramis que tentava recuperar o fôlego roubado astutamente por aquele abraço demasiadamente apertado, com um enorme sorriso Porthos abre a porta da rua e sai antes que Aramis recuperasse, deixa assim Aramis e Nial sozinhos.
    Após alguns momentos de silencio entre os dois Aramis dirige-se a uma porta naquele piso e abre-a indicando a Nial que entrasse…

    - É pequeno… mas tem tudo que possas necessitar… boa noite!

    Aramis afasta-se de Nial mas este segura-a de imediato pelo braço, e fá-la olhar directamente nos seus olhos.

    - Renée…

    Aramis desvia o olhar de para que este não visse as lágrimas que teimavam em querer aparece, Nial suspira e contrariado deixa-a ir-se embora, ainda a observou a subir as escadas e a fechar a porta de seu quarto atrás de si.
    Nial pensava que aquela noite seria o inicio de trazer a “sua” Renée de volta, François havia morrido havia já oito anos, o caminho para preencher o coração de Renée com um novo amor estava aberto… e seria ele a preencher esse vazio!

    (siga o próximo Very Happy)
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    Fic Coletiva: AS COISAS MUDAM Empty Re: Fic Coletiva: AS COISAS MUDAM

    Mensagem por Athos de La Fère Ter Abr 20, 2010 7:57 pm

    CAPÍTULO V
    Conflitos


    [justify]Na manhã seguinte, Aramis levantou-se silenciosa e sorrateiramente e saiu deixando Nial sozinho em casa. Não queria acordá-lo, encará-lo e ter que dar explicações. Aquela situação em que Porthos os colocou é realmente embaraçosa. Como é que ela vai conseguir esconder quem é de alguém que lhe foi tão próximo? Como? É o que pergunta a si mesma enquanto espera a chegada dos outros já no quartel dos mosqueteiros, pois claro, foi a primeira a chegar pois partiu bem cedo para despistar Nial.

    *****

    Para Nial, no entanto a noite havia sido a mais atormentada que já vivera. A indecisão de invadir o quarto de Aramis, ou melhor, de Reneé e desvendar todo o mistério, trazer á tona a verdade. Mas... e se realmente não fosse ela... Mas era ela... certeza... absoluta certeza, era Renee. Ele jamais e enganaria a esse respeito. Era mesmo ela... mas.. deveria entrar... não sabia o que fazer... Andava de um lado a outro... parava em frente a porta do quarto... voltava atrás... sentava-se, levantava-se em seguida... nunca havia hesitado tanto em tomar uma decisão... e se estragasse tudo... e se tudo desse errado... e se ela passasse a odiá-lo para sempre... estava completamente absorto por estes pensamentos e indecisões que não viu mesmo o tempo passar e a noite se foi... pegou no sono entre o medo e a insegurança de decidir se falava ou não com Renee... E eram já 5:37 quando adormeceu profundamente ainda pensando em Renee. Pouco depois, ela despertou, vestiu-se e saiu sorrateiramente para que ele não percebesse... Deu certo! Ele não percebeu.


    ******

    Athos a vê, quando se aproxima, e surpreso pergunta: - Já aqui? Mas tão cedo? Acontece algo?

    Aramis: - Não! Nada! Porque pergunta?

    Athos: - Ora porque... porque não é comum vê-lo tão cedo aqui.

    Aramis: - Ora sou eu quem digo, pois também não é comum vê-lo fazendo o mesmo? Que aconteceu?

    Athos: - Não desconverse! Perguntei primeiro? Estou em vantagem... E então, vai contar o que houve?

    Aramis: - Nada!

    Athos: - Não vai?!!

    Aramis: Já lhe disse que não foi nada! E tu, também não vais contar-me o que ocorreu?

    Com um sorriso maroto no rosto, Athos responde: - Bem... você jura que não contará a ninguém?

    Aramis: - Claro! A ninguém!

    Athos: - Eu também não?!! E desata a rir de Aramis e de sua cara de frustação!

    Aramis: ¬¬' - Não teve graça! Além do mais, eu sei que esconde algo desde aquele dia na taverna... Não pense que eu esqueci...

    Neste momento, chegam Porthos e D'Artagnan, juntos e rindo a valer. Conversavam alto para aquela hora da manhã!

    Porthos: - Ora veja D'Artagnan! Já estão de pé nossos amigos... Ei Aramis, onde está Nial? Não passou a noite em tua casa? Não o trouxe contigo? Onde ele está?

    Aramis ficou sem jeito. Como ia explicar a Porthos que havia "abandonado" Nial, neste momento, seu hóspede e companheiro de quartel, em sua casa. Como justificaria... Pensou rápido, e não articulou bem as palavras, mas balbuciou: - Eu acordei mais cedo que o normal, não quis acordá-lo e decidi sair.

    Porthos: Hummm... (não engoliu)

    D'Artagnan: - E daí?! Ele nos encontra aqui fácil. Com certeza! Mas amanhã é um dia de folga para nós, não é? Vamos fazer alguma coisa diferente... Constance não poderá deixar o Palácio, infelizmente. Sad Mas que podemos fazer nós?! Tenho certeza que Jean teria um grande plano estivesse aqui conosco! Iríamos nos divertir muito. D'Artagnan lembrou com saudade do dia em que viu o pequeno amigo feliz por ter encontrado sua mãe depois de uma longa procura.

    Porthos: - Acho que é muito bom que façamos algo diferente em nosso dia de folga. Geralmente não tiramos a folga todos juntos. É uma oportunidade não?! E, no fim do dia, podemos chamar o Nial pra se juntar a nós. O garoto é boa gente! O Capitão pretende "pegar pesado" com os novos recrutas, já que foram tão poucos os aprovados, vai ser bom pra ele se distrair um pouco e como é da terra do Aramis, tem já algo em comum que pode nos aproximar. - desatou a rir.

    Athos: - Eu... bem... Eu creio que não poderei estar com vocês amanhã.

    Aramis, Porthos e D'Artagnan: - O que?! Mas porque?!

    Athos parecia não querer responder aquela pergunta. Na verdade gostaria de não ter dito nada que tivesse alarmado os amigos, mas não pode evitar. Quando percebeu, já havia dito que não estaria com eles no dia de folga e aguçou a curiosidade de todos. Ora mas que motivo poderia ser tão forte que o fizesse deixar de aproveitar um dia com os amigos de verdade? E quando ia já pensando no que justificar aos companheiros, surge Nial, que chega cansado e
    ofegante. Veio correndo ao quartel. Acreditou que estivesse atrasado porque ao acordar não viu Aramis. Mas o fato é que estava no horário, pois em seguida foram também chegando os demais recrutas que venceram as provas de ingresso aos mosqueteiros do Rei e então, a conversa teve que esperar e deu lugar aos afazeres.

    O Capitão de Treville apareceu para inspecioná-los. E deu início às atividades daquele dia. Um dia normal, em que os mosqueteiros mais experientes treinavam os recém chegados e incorporados ao Corpo. Enfim, algo parece querer aproximar Nial de Aramis porque ele ficou incumbido pelo Capitão de treiná-lo pessoalmente. O Capitão achou que ele merecia um treinamento diferente por causa do incidente em que Nial havia conseguido derrubar Aramis. E por isso mesmo pediu que Aramis continuasse treinando-o para um teste que o próprio Capitão aplicaria. Para o Capitão era intrigante que um garoto que a primeira vista parecia não ter certa vocação para as armas conseguisse derrubar um de seus mais experientes mosqueteiros daquela maneira. Mesmo sabendo que Aramis era mulher, o Capitão de Treville conhecia sua maestria com a espada. Os demais recrutas, treinavam em grupos com os outros mosqueteiros.

    Para Nial aquilo era perfeito! A grande chance de falar com Renee. A saudade! O amor que sentia por ela. Não era mais possível esconder, mas tinha tanto medo do que poderia acontecer se se revelasse abruptamente que, esperava pelo melhor instante para "intimar" Rene a uma conversa e dizer que veio de Noisy le Sec para trazê-la de volta... para "tê-la" de volta... e enterrar o passado... estava completa e decididamente disposto a dizer-lhe sinceramente o que sentia por ela e o quanto espera ser correspondido...

    Em meio a esse turbilhão de pensamentos, Nial foi dirigindo-se a Aramis para continuar o treinamento. Da última vez, Aramis levara a pior, pois foi derrubado por ele durante a batalha. Mas desta vez, Nial pode observar-lhe nos olhos um controle da situação que pelo visto não seria perdido. Era bom que se preparasse pois o certo é que Aramis ou Renee não vai amenizar o combate.

    EN GAAAAAAAAARDE! - gritou Aramis. E partiu com fúria em direção ao adversário. Nial perplexo com a velocidade e a ira com que Aramis se dirigia a ele, temeu, tremeu e não conseguiu desembainhar a espada e foi recuando até uma parede em que foi obrigado a parar. Aramis chegou bem perto, tão perto, e colou-lhe a espada no pescoço impedindo Nial de dar um passo ou fazer um leve movimento que fosse.

    *****

    Nial estupefato, olhava para Aramis assustado. Olhou-lhe nos olhos... Percebeu, não havia dúvida, era Renee. Mas, agora... essa diferença de comportamento, essa agressividade para com ele... Não entendeu! Confuso, lembrou-se da velha Rene, da Renee de sua infância e tenra juventude, da Renee por quem se apaixonou e foi obrigado a esquecer quando a viu noiva de François. Voltou a si e a espada ainda em seu pescoço e os mesmos olhos irados de Renee cravados nos seus. Não foi capaz de dizer nada!

    Athos, Porthos e D'Artagnan, que treinavam outros recrutas no pátio estranharam a atitude do amigo, suspenderam seus treinos e foram até mais perto para ver o que sucedia.

    Porthos: - Aramis, está tudo bem? Estás louco, homem? O que é que lhe deu? Isto é um treinamento, não um duelo... Calma lá! Leveza meu amigo...

    Sem responder a Porthos e praticamente ignorando a presença dos demais, Aramis retirou a espada do pescoço de Nial, guardou-a na bainha e disse a ele: Se vais entrar em combate, tenha sempre a sua espada a mão. Quando disse en garde, já esperava vê-la em suas mãos. Se, como disse Porthos, isso não fosse apenas um treinamento, recruta, você estaria morto agora. Não haverá combate corpo a corpo contigo hoje. Treinarás sozinho o desembainhar e
    embainhar da espada. Primeiro deve estar preparado para usar uma arma e só então usá-la em combate. Não sabes que uma criança poderia ter saido-se melhor neste treino? O dia está encerrado. Continuamos na próxima vez. Após terminar o quase discurso, Aramis deixou o local com uma expressão friamente séria e sisuda (cara de poucos amigos).

    Mas mais tarde é que viria a situação complicada e desagradável. Como receberia Nial em sua casa depois do que aconteceu? Sua cabeça agora estava cheia de divagações, idéias perdidas e sem conexão, percebeu que estava completamente confusa e não conseguiria tomar qualquer decisão. *Ah François! Como sinto sua falta! Como?! Me ajude! Por favor!!!* Sua expressão era de desespero e andava sem rumo quando ouviu alguém chamando-a! - Aramiiiiis! Espere!! Era Athos...

    Athos: - Aramis, Aramis, por favor, espere, é sério, preciso falar com você? Meu amigo, espere?!! O que está havendo contigo? O que foi aquilo? O que fez com o garoto? Porque?? Que bicho te mordeu?

    Aramis: - Deixe-me em paz Athos! Não estou para conversa!

    Athos: - Ãhn! Não acredito no que está dizendo. Olhe para mim quando falo com você! Por favor, Aramis, o que é?! Somos amigos... Sabe que pode contar comigo. Deixe que eu te ajude se é preciso... o que é que há com você que está tão diferente do que é realmente e porque descontou isso no Nial? O garoto ficou perturbado! Vamos, fale comigo que eu --- Foi drásticamente cortado por Aramis que quase gritando pediu que ele o deixasse em paz.

    Aramis: - Eu não quero falar a respeito. Disse que é meu amigo, não pode respeitar isso? É a minha decisão. Por favor... não continue me pressionando... (um soluço)

    Athos: - Des... des... desculpe... eu só quero ajudar e como não sei o que está acontecendo... eu... eu... perdão Aramis... é claro que respeito sua decisão... sinto muito que tenha parecido pressão... não estava tentando... eu não queria... é... --- novamente é interrompido por Aramis: - Esta bem, eu quero ficar sozinho agora. Pode entender isso?

    Arrasado com a reação de Aramis, Athos responde um quase inaudível "sim" e deixa o lugar e o amigo sozinho, de acordo com seu próprio pedido.

    *****

    Naquela noite, Athos revirava-se de um lado para o outro da cama tentando entender o que havia passado pela manhã. Aramis tão estranho; Nial... Começou a pensar e em com sua perspicácia acentuada, cogitou que talvez Nial e Aramis se conhecessem, já que ouviu claramente quando Porthos disse que ambos eram de Noisy le Sec... era possível... perfeitamente possível que tivessem sido amigos no passado... e provavelmente não o são agora, pois pelo tratamento de Aramis a Nial nos treinos, era evidente que nutria por ele algum tipo de sentimento ruim.. alguma mágoa, raiva.. algo do tipo... era a lógica.. queria entender o quebra cabeças mas duas outras grandes preocupações ocupavam seus pensamentos... uma, a carta que recebera de sua Terra Natal, Béarn. O conteúdo dessa carta era o motivo que o levaria a Béarn bem no dia em que estaria de folga com os companheiros... na verdade, para ele a folga seria estendida como já havia conversado com o Capitão de Treville. Uma viagem estava prevista, o quanto antes para Béarn. Ele estava triste. Tentava não demonstrar essa tristeza aos amigos. Fazia o que podia, evitava os encontros na taverna porque certamente não se alegraria com eles. E pôde "enganá-los" um pouco assim. Mas sim, há a segunda preocupação que lhe tirava o sono. Aramis. Desta vez não era querer saber o que estava acontecendo com ele, e nem tentar descobrir o que se passa entre ele e Nial. Na verdade Athos estava com uma vontade profunda de ajudar o amigo, de aproximar-se dele. Queria estar com ele naquele exato momento em que pensava sobre estas coisas todas que haviam passado... e ficou confuso sobre esse sentimento... não conseguiu classificá-lo ou definí-lo, só sabia de uma coisa com clareza... queria estar com Aramis naquele exato instante.


    *****

    Na casa de Aramis, o clima era péssimo.

    Nial esperava em agonia pela chegada de Renee. Pensou até que ela não voltaria para casa naquela noite e estava preparado para sair a procura dela pela cidade, quando a porta se abriu e Nial pôde ver Renee entrando em casa.

    Nial: - RENEE!!!

    Aramis: - Você insis ---

    Nial, claramente chateado e magoado, e agora até um pouco enraivecido interrompe Aramis e diz:

    Nial: - Já chega Renee!!! Eu sei que é você! Não negue! Está na hora de termos uma conversa! Não fuja de mim, levei muito tempo para encontrá-la, eu não vou perder essa chance de lhe dizer o que tenho aqui dentro do peito... Você vai parar de negar quem é para mim, e vai me ouvir, e vai fazer isso agora!!!

    ******
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    Mensagem por Anbel Ter Jul 06, 2010 8:34 am

    Capítulo VI
    Opções e decisões


    Aramis sentiu uma profunda irritação ao ouvir Nial a falar daquela maneira. Como é que ele se atrevia a entrar na sua vida oito anos depois e fazia todas aquelas exigências? Como é que ele era capaz de tanta insolência depois de ter saído de Noisy-Le-Sec sem sequer se despedir?
    Escutar Nial naquele tom exasperava-a completamente. No fundo ela sabia que mais cedo ou mais tarde aquele momento chegaria pois o antigo moço de recados conhecera-a durante anos e era muito provável que não tivesse grandes dificuldades em perceber que era ela…mesmo com trajes masculinos…
    A jovem só precisou dum momento para se recompor, decidida a não se deixar intimidar por ninguém…
    Virou-se e fitou Nial, olhos nos olhos, mas com um olhar tão gélido e tão intenso que desta vez foi ele quem não conseguiu deixar de sentir um arrepio a percorrer-lhe todo o corpo. Seria possível que Aramis e Renée fossem a mesma pessoa? Apesar da incerteza ecoar na sua mente, Nial nem teve tempo para se debruçar sobre essa questão pois se alguma dúvida houvesse esta seria rapidamente dissipada.

    - Muito bem…quereis falar? Pois esta é a vossa oportunidade…Que tendes para me dizer? - Aramis proferia estas palavras sem recorrer ao tom masculino que normalmente imprimia á sua voz.

    - Renée…és mesmo tu… - Disse Nial numa entoação que oscilava entre o espantado e o confuso. – És mesmo tu…

    - Bem…pensava que já tínhamos ultrapassado essa fase – Continuou ela, aborrecida e cruzando os braços – Já sabes quem sou mas se tiveres alguma dúvida terei todo o prazer em esclarece-la…O meu nome, o meu verdadeiro nome é Renée D’Herblay…Isto satisfaz-vos?

    Nial sentiu um enorme calafrio incapaz de articular qualquer som como resposta… esperava confrontar Aramis mas não previra encontrar alguém tão decidido e determinado á sua frente. Nial acreditara que Renée optaria por assumir uma posição defensiva de negação das evidências mas não era isso que estava a acontecer para desespero do jovem que hesitava sobre a reacção que deveria ter perante uma postura tão agressiva…

    - Então não dizes nada?…O gato comeu-te a língua?…Parece que sim… Estavas tão decidido mas…afinal é só fumo?… – Prosseguia Aramis.

    Nial não sabia como lidar com uma Renée tão aguerrida mas sentia que o tempo funcionava contra ele e que naquele momento precisava de mostrar um pouco da sua força e determinação pois caso contrário correria o risco de perder a oportunidade de demonstrar á jovem donzela o que realmente queria, aquilo que desde sempre estava entranhado na sua alma.

    - Não… - Balbuciou Nial – Deixa-me falar…Por favor…Deixa-me falar…Então és mesmo tu? Não o negas? És mesmo a minha Ren…quer dizer…a protegida dos meus senhores?…É uma grande felicidade estar finalmente perante vós…

    Ao dizer estas palavras, Nial sentia os olhos encherem-se de lágrimas tal era a emoção que experimentava naquele momento…mas também não queria que esses sentimentos fossem visíveis no exterior… Por isso optou por desviar o olhar e fitar a parede…
    Apesar da sua atitude um pouco hostil, Aramis não pôde deixar de sentir a comoção que invadia Nial e lentamente começou a baixar a couraça que erguera ao princípio mas mantendo sempre uma atitude defensiva.

    - Mas afinal o que é que se passa contigo?…Sentes-te bem? – Questionava Aramis sem perceber aquela mudança de atitude de Nial.

    Naquele momento, Nial não conseguia transformar em palavras o que lhe ia na alma invadido por uma emoção demasiado forte.
    Oito longos anos tinham passado…e finalmente a sua demanda chegava ao fim. Renée estava ali, a alguns escassos centímetros mas ao mesmo tempo parecia estar tão longe. Apesar de ter idealizado e sonhado várias vezes com o reencontro entre os dois, nada se concretizava como Nial imaginara.

    Por seu lado, Aramis continuava também sem saber como devia lidar com aquela situação. Nial estava á sua frente mas ainda seria o rapazinho terno e engraçado que partilhara com ela a infância ou ter-se-ia transformado num perfeito desconhecido que procuraria tirar proveito do segredo que ela tão habilmente guardava há tanto tempo?
    Nial continuava em silêncio tentando controlar as emoções…os olhos claros oscilavam entre as paredes e Aramis, indecisos sobre o que deveriam fazer a seguir.


    Não deveria ter passado muito tempo desde que Aramis fizera a sua pergunta mas a resposta tardava em chegar…Nial estava envolto num emaranhado de indecisão e vergonha que o impedia de pensar mas aquele silêncio tormentoso começou a inquietar Aramis. Olhando para Nial percebia-se que o jovem não nadava em dinheiro e o facto de Porthos ter aparecido ali á porta com ele também demonstrava que a sua situação financeira não seria das melhores. Seria isso que ele pretendia? Dinheiro? Seria esse o seu desejo, a sua vontade mas talvez ainda não se sentisse suficientemente confortável para o expressar verbalmente. Pensando que era isto que atormentava Nial, Aramis decidiu poupar-lhe trabalho. Afastou-se, saindo da divisão em que se encontravam. Voltou, passados alguns instantes com uma pequena bolsa na mão.

    - Bem…não sei o que pretendes mas se é dinheiro que queres, posso dar-te todas as minhas economias…Possivelmente esperavas mais mas neste momento não tenho acesso á fortuna dos Herblay e por isso não posso providenciar mais…mas já é uma boa quantia…

    Dizendo isto, Aramis agarrou a mão de Nial e entregou-lhe a bolsa.
    Ao sentir o toque da jovem Nial estremeceu e pareceu despertar da letargia em que se encontrara até então. Ao ver aquela bolsa a ser depositada na sua mão experimentou um sentimento de repulsa. Como é que ela podia pensar que ele estava ali pelo dinheiro? Como é que ela o podia ter em tão baixa consideração? Seriam estas as memórias que Renée tinha dele? Um indivíduo interesseiro e sem qualquer préstimo que se contentava com meia dúzia de moedas?
    Não…não…Ele não iria suportar semelhante humilhação…

    - Mas que estás a fazer? – Balbuciou ele – Eu não quero o teu dinheiro. Não estou aqui por isso.

    Ao dizer estas palavras Nial agarrou a bolsa e devolveu-a. De seguida envolveu as mãos de Aramis com as suas próprias e fixou-a nos olhos.

    - Não é isto que quero de ti… - a voz de Nial perdia-se num tremendo sussurro. Os olhos cinza esverdeados procuravam transmitir uma força que os lábios não conseguiam pronunciar. – O que eu quero é estar ao teu lado…assim…

    Aramis esbugalhou os olhos não conseguindo perceber o alcance total daquelas palavras. Será que ele pretendia aproveitar-se do facto dela ser mulher para ganhar alguma coisa? Pensaria ainda que ela era a rapariguinha frágil de Noisy-Le-Sec incapaz de se defender num mundo dominado pelos homens? Não, as coisas eram diferentes e ela não pretendia subjugar-se a ninguém, muito menos a uma pessoa que naquele momento não lhe transmitia nenhuma confiança. Bruscamente ela retirou as suas mãos provocando uma reacção de estupefacção em Nial.

    - Não consigo perceber o que queres, afinal, mas não sei se será boa ideia estares aqui…na minha casa. Preferia que procurasses um outro alojamento…um outro sítio para ficar…Acho que seria bom para os dois…Nicholas…

    Nial sentiu um arrepio a percorrer-lhe o corpo. Nicholas…ela tratava-o por Nicholas e não por Nial, como costumava fazer. Nial percebia que isto era uma maneira dela se distanciar daquilo que tinham tido em comum em Noisy-Le-Sec. Começava a entender que a tarefa a que se propusera não seria facilmente realizada pois em oito anos as coisas tinham mudado muito. Renée estava diferente e no fundo ele também não sabia como se devia comportar perante uma situação que nunca lhe passara pela mente. Talvez a sugestão que ela lhe dava fosse a melhor, pelo menos naquele momento.

    - Sim…acho que tens razão…Parece que não faz muito sentido ficar num sítio onde não sou minimamente desejado…Se é essa a tua vontade então sairei…não sei para onde mas alguma coisa hei-de arranjar…é claro que terei que agradecer ao senhor Porthos a amabilidade que teve para comigo ao providenciar-me este alojamento…

    Porthos…Aramis tinha-se esquecido completamente deste factor…Como é que iria explicar ao amigo que Nial já não era seu hóspede? Pô-lo fora de casa sem qualquer tipo de justificação só iria levantar suspeitas e naquele momento ela não tinha vontade de dar explicações ou detalhes sobre o seu relacionamento com Nial.

    - Espera… - interrompeu ela – Podes sempre ficar com este dinheiro…para arranjardes um alojamento.

    Ao dizer estas palavras, Aramis estendia a bolsa que anteriormente oferecera a Nial. Tinha esperança que desta vez ele estivesse mais receptivo e aceitasse a sua oferta.

    - Não…já vos disse…senhora…que não quero o vosso dinheiro…

    - Mas podeis considerá-lo um empréstimo. Agora que estais nos Mosqueteiros ides receber dinheiro e nessa altura podeis pagar-me. – Insistia ela.

    - Nunca… - respondeu ele em tom altivo, cruzando os braços e fixando o olhar na parede – Não quero o vosso dinheiro nem que seja emprestado…Prefiro voltar para debaixo da ponte a aceitar essa vossa oferta.

    Aramis começava a perder a paciência com aquela obstinação por parte de Nial. Se ele aceitasse sairia da sua casa e ela recuperaria a privacidade perdida ao mesmo tempo que teria uma desculpa razoável para apresentar aos amigos…mas com aquela recusa, as coisas seriam muito difíceis…

    - Arre… que és mesmo teimoso…Não te estou a dar este dinheiro mas sim a emprestá-lo…
    Quando receberes o primeiro pagamento saldaremos as nossas dívidas.

    - Já disse que não quero… e vou pedir-vos para não insistirdes nesse assunto. Não ficarei onde não sou desejado e nem quero o vosso dinheiro. Por favor deixai-me ir buscar as minhas coisas para não vos incomodar mais.

    Depois de dizer estas palavras Nial dispunha-se a ir para o quarto onde passara a noite anterior para juntar os seus poucos haveres…

    - Não…esperai… - interrompeu Aramis numa voz que oscilava entre a súplica e o medo – Não podeis sair assim sem mais nem menos. Que ireis dizer aos outros…ao Porthos…

    A voz da jovem tremia e ela não conseguia terminar de dizer o que queria… Ao aperceber-se dessa situação Nial parou e olhou para ela. De certa forma arrependia-se de ser a origem de todo aquele mal-estar e não queria de modo algum provocar sofrimento em alguém que tanto adorava.

    - Muito bem…então o que propões?

    Aramis reflectiu antes de continuar…

    - Talvez seja melhor ficares enquanto não arranjarmos outra solução…

    Aquela ideia não desagradava a Nial…antes pelo contrário e aquele era o momento ideal para fazer valer a sua posição.

    - Tendes a certeza do que me estais a propor? É que não me quero impor nem ser um estorvo na vossa vida… - Nial procurava ocultar a profunda alegria que sentia naquele momento.

    Se por seu lado Nial se sentia feliz, Aramis experimentava uma grande angústia e desalento pois não sabia como se libertar de uma situação tão incómoda.

    - Ficai…peço-vos – a voz de Aramis não era mais que um sussurro.

    - Enfim… se insistis tanto – continuava um rejubilante Nial.

    O tom alegre e jovial usado por Nial não escapou a Aramis que entendeu que aquela era a altura para determinar as regras que seriam usadas no relacionamento entre eles.

    - Sim…insisto mas tendes que perceber que esta é apenas uma situação provisória…enquanto não arranjardes os vossos próprios meios de sustento. Nessa altura devereis providenciar um outro sítio para ficar. Até lá partilhareis da minha hospitalidade mas tereis que seguir as minhas regras…percebido?

    Nial sorriu enquanto acenava com a cabeça pois aquela era a melhor proposta que poderia receber naquelas circunstâncias.

    - Por favor, procurai limitar-vos á parte de baixo da casa…gosto de ter um pouco de privacidade…Penso que percebeis porquê… É tarde e acho que já não temos mais nada para dizer entre nós…

    Aramis proferiu estas palavras num tom soturno mas decidido. Tinha que permitir a estadia de Nial na sua casa mas pretendia estabelecer as normas que regulariam essa situação e deveria fazê-lo logo de início…

    - Tendes alguma dúvida? Precisais de alguma coisa?

    Nial respondeu com um ligeiro abanar de cabeça.

    - Então se não é preciso mais nada retiro-me. Boa noite.

    Aramis dirigiu-se para as escadas deixando Nial sozinho na sala. Ele seguiu-a com o olhar até a perder por completo de vista. O seu coração exultava de alegria e felicidade pois a conversa que tinham tido dava-lhe, de certo modo, esperança de que as coisas poderiam melhorar no futuro. Era preciso ser paciente e confiar na sorte porque tudo se iria resolver.
    Animado com estas expectativas Nial dirigiu-se para o quarto preparando-se para ir dormir.



    *****



    Aramis subiu os degraus tentando esconder a ansiedade e a angústia que se apoderavam dela naquele momento. Ao entrar no quarto fechou rapidamente a porta como se este simples acto fosse suficiente para criar uma barreira entre ela e o resto da casa. Ao ver-se na tranquilidade e aconchego daquela divisão ela não conseguiu reprimir por mais tempo o tormento que lhe ia na alma e acabou por dar largas às suas emoções. As lágrimas irromperam nos seus delicados olhos azuis e começaram a descer abundantemente pelo rosto. Sentia-se completamente amargurada e não sabia até que ponto é que conseguiria aguentar aquela situação… a presença de Nial na sua vida…na sua casa… era uma espécie de espada que balançava por cima da sua cabeça ameaçando cair a qualquer momento…

    Como é que seria possível viver naquela incerteza? Nial sabia o seu segredo e podia revelá-lo a qualquer instante, de forma fortuita ou deliberadamente…Nial sabia o seu segredo e podia revelá-lo a alguém que pagaria muito bem por essa informação…o Conde…
    Não… ela não podia viver assim…tinha que fazer alguma coisa … procurar uma solução … encontrar uma escapatória para mais esta partida que o Destino lhe queria pregar.

    Lentamente dirigiu-se para a cama onde se deixou cair. Sentia-se sufocar mas precisava de arranjar uma maneira de escapar àquele imbróglio que de um momento para o outro tomara conta da sua vida.

    Lembrou-se que há oito anos atrás passara por uma situação semelhante. Também naquela época lhe parecera que não havia maneira de escapar ao Destino mas então uma saída aparecera e ela tinha-a seguido. Com certeza que a situação se repetiria…uma solução surgiria… só era preciso ter calma e um pouco de paciência, algo que naquele momento parecia ser muito difícil de conseguir pois a presença de Nial e a troca de palavras que tinham tido também reavivara memórias há muito esquecidas no fundo da sua consciência. Aramis lembrou-se de François, dos bons momentos que tinham passado juntos, dos sonhos e projectos que tinham para o futuro. Lembrou-se dos seus tutores, os senhores Herblay, sempre carinhosos e preocupados com ela…

    Por fim chegaram as recordações do Conde, um amigo de infância de François que parecia ser boa pessoa mas que acabara por revelar ser um indivíduo perverso e desumano que não hesitava em recorrer aos mais pérfidos meios para obter os seus intentos. A gota de água que levara Renée a fugir de Noisy-Le-Sec e a adoptar uma nova identidade tinha sido a sua ameaça de deitar fogo á mansão Herblay com todos os ocupantes lá dentro se ela não aceitasse casar com ele. E se mesmo assim isso não fosse suficiente para a fazer mudar de ideias ele ainda tinha um outro trunfo que pretendia usar: afirmar que a sua saúde mental tinha sido afectada pelos acontecimentos na residência de François e que não seria seguro deixá-la livre pois poderia ser uma ameaça não só para ela mas também para os outros… Perante um cenário tão funesto só lhe restou uma opção…fugir, não só por ela mas principalmente por todos aqueles que podiam sofrer às mãos do tresloucado Conde…

    Renée fugira para Paris e adoptara uma nova identidade esperando assim cortar as ligações com aquele passado que tanta dor e sofrimento lhe provocara. Sim…fugira de tudo o que lhe era familiar…de tudo o que lhe era querido…
    Fugir… tinha sido a solução há oito anos atrás… Será que podia voltar a ser a forma de resolver o desassossego provocado pela chegada de Nial?


    Aramis levantou-se abruptamente ficando sentada na cama com o coração a bater apressadamente…seria essa a resposta a este seu problema?
    Lembrou-se que quando chegara a Paris as suas ideias não estavam completamente definidas. Ela pretendia criar uma nova identidade mas no seu caso não se tratava apenas de mudar de nome. Ela pretendia também mudar de natureza…deixar de ser mulher para passar a ser homem…Na altura não sabia se conseguiria ter sucesso neste seu projecto pois até então nunca sonhara com semelhante coisa mas dadas as circunstâncias em que se encontrava, aquela parecia ser a única solução a adoptar. Recordou-se que a primeira vez que envergou as calças o tinha feito num clima de experiência pois queria saber se conseguia ser convincente ao ponto de convencer os outros de que era um rapaz. Lembrou-se que na altura o sentimento que a dominava era o de fugir…fugir…se as coisas não corressem bem…fugir se não conseguisse convencer os outros de que era um homem…fugir…
    Se calhar era esta a solução…mais uma vez…
    Fugir…e adoptar uma outra identidade num qualquer outro local…

    Mas se o quisesse fazer teria que dar uma justificação ao Capitão de Tréville pois ele conhecia a sua identidade, o seu segredo e aceitara ajudá-la dando-lhe todo o apoio que lhe fora possível. Por isso ela não podia ir-se embora assim sem mais nem menos…tinha que se despedir dele.
    Seria algo a fazer logo no dia seguinte…por agora iria procurar dormir, ou pelo menos, descansar um pouco. Com este pensamento em mente a jovem deixou-se cair na cama…



    *****



    A noite passou-se num sono muito pouco reparador em que as imagens do presente se confundiam com as recordações do passado.
    A escuridão da noite acabou por dar lugar á claridade de um novo dia…

    Aramis despertou com o som dos passarinhos que com o seu chilrear procuravam saudar a manhã ensonada. A noite não tinha sido tranquila e o dia prometia mais complicações mas a jovem sabia que não era altura de protelar a decisão que tinha tomado horas antes…iria partir, sem dar explicações e sem se despedir de ninguém á excepção do Capitão de Tréville.
    Com este pensamento em mente levantou-se. Pretendia seguir o exemplo do dia anterior em que conseguira sair de casa sem se cruzar com Nial. Se tivesse sorte conseguiria repetir a façanha.
    Como ainda era bastante cedo Nial dormia profundamente, pelo que Aramis conseguiu sair de casa sem se cruzar com ele.
    O ar fresco da manhã acariciava-lhe suavemente o rosto e de certa forma ajudava-a a organizar as ideias. Pretendia ir a casa do Capitão falar com ele sobre a sua saída dos Mosqueteiros…era isso que pretendia fazer.


    Ao chegar á residência do Capitão a jovem parou pois era demasiado cedo e o mais provável era o Capitão ainda se estar a arranjar. Mas para sua surpresa as janelas já estavam abertas…parecia pois que Tréville também se tinha levantado com os primeiros raios de Sol.
    Aramis estava indecisa entre ir ou não bater á porta do Capitão quando naquele momento Tréville apareceu á janela. Ao vê-la do lado de fora percebeu que alguma coisa se passava… se ela ia á sua residência particular era sinal que o assunto era grave. Fez-lhe sinal para que se aproximasse e a jovem assim fez.



    *****



    Entraram no gabinete de trabalho de Tréville. O ar do Capitão também não era dos melhores…estava carrancudo e sisudo, sinais de uma noite não muito bem passada. Fitou a jovem com ar interrogador.

    - Aramis…penso poder presumir que alguma coisa se passa e que é a isso que se deve esta visita matinal. O teu comportamento nestes últimos dias leva-me a suspeitar que algo te atormenta. Que tens para me dizer?

    Tréville referia-se a tudo o que tinha acontecido desde o início das provas de selecção para os Mosqueteiros. Um olho treinado como o dele era capaz de tudo observar e de perceber se alguma coisa não estava bem…ofícios de guerreiro que eram muito úteis numa Corte onde proliferava a intriga e a traição.
    Aramis baixou os olhos sentindo-se repentinamente envergonhada com os comportamentos que tinha tido nos últimos dias no Quartel-General dos Mosqueteiros e que pelos vistos não tinham passado despercebidos.

    - Senhor, tendes toda a razão para me repreender pois de facto a conduta que tenho tido ultimamente não é digna do lugar que ocupo mas deixai-me explicar as minhas razões. É esse também o motivo que me trás aqui…
    Senhor, temo não poder continuar por mais tempo nos Mosqueteiros…

    Tréville ficou estupefacto com aquelas palavras pois não esperava ouvi-las.

    - Aramis…vais sair da Companhia? Mas porquê? O que aconteceu nestes últimos dias para tomares essa decisão?

    A jovem fez uma pausa antes de continuar. O que tinha que dizer era difícil.

    - Senhor, tenho ponderado sobre este assunto e temo não ter outra alternativa… a minha permanência nos Mosqueteiros não é mais possível pois há alguém que conhece a minha identidade.

    O ar interrogador do Capitão foi substituído pela estupefacção e admiração que aquelas palavras provocaram no seu semblante. A surpresa e o espanto dominavam-no.

    - Um dos novos recrutas é de Noisy-Le-Sec…e conhece-me…sabe quem sou na realidade…

    Tréville estava cada mais admirado… Como é que era possível semelhante coisa?
    Sentiu necessidade de se sentar…

    - Aramis…Renée…tens a certeza disso? – Perguntava ele.

    Ela não respondeu.

    - Aramis…isso é certo? Há alguém nos Mosqueteiros…em Paris… que sabe que és uma mulher?

    O silêncio e o ar cabisbaixo que dominavam a jovem foram resposta suficiente às interrogações do Capitão. Agora tudo fazia sentido…agora percebia porque é que no dia das provas ela tinha sido vencida por aquele último rapaz. Tréville tinha achado aquela situação estranha pois sabia que a jovem possuía grandes aptidões para o uso da espada e não era facilmente derrotada principalmente por alguém que não tinha uma técnica muito desenvolvida como era o caso de Nial. Fora esse o motivo que o levara no dia seguinte a ordenar uma espécie de repetição do teste da véspera na esperança de confirmar ou não se Nial era de facto um espadachim dotado ou se tudo aquilo não teria passado de sorte de principiante. Agora todas as dúvidas eram esclarecidas e Tréville compreendia tudo. Aramis tinha sido apanhada de surpresa por aquela situação…tal como ele…O que iria ela fazer?
    Aramis sentia os olhos do Capitão cravados em si e sabia que mais cedo ou mais tarde teria que arranjar uma alternativa.

    - Senhor, tenho pensado muito nesta situação e acho que nestas circunstâncias não posso continuar a exercer as minhas funções na Companhia…É muita pressão e não posso viver nesta incerteza…Por isso o melhor é partir…sair de Paris e ir para outro sítio…arranjar uma outra identidade…uma outra vida…

    Tréville anuiu com a cabeça percebendo as ideias que a jovem tinha em mente.

    - Renée…posso perguntar para onde tencionas ir?

    Aramis encolheu os ombros pois ainda não sabia que rumo ia dar á sua vida.
    Tréville tinha uma proposta a fazer mas hesitava em exprimir o que lhe ia na mente. Há muito que conhecia a jovem, tal como também fora amigo do pai dela, e sabia até que ponto os Herblays eram teimosos e obstinados quando queriam.
    Mas esta era também uma questão a que Aramis precisava de responder…o que fazer depois de sair dos Mosqueteiros.

    Tréville tinha uma proposta mas não sabia como a revelar. Precisava de organizar um pouco as suas ideias mas não o conseguiria fazer enquanto tivesse Aramis á sua frente. Por isso levantou-se e dirigiu-se para a janela. Contemplou a rua que a pouco e pouco se enchia de transeuntes que se deslocavam de um lado para o outro como as ondas de um rio.

    - Aramis…gostava de saber quais são as tuas ideias para o futuro. Afinal quais são os teus planos?

    - Senhor, não posso responder a isso porque eu própria não sei o que vou fazer – balbuciou a jovem num sussurro que mal se ouviu.

    Tréville voltou-se para trás e fitou Aramis. Inspirou profundamente antes de prosseguir.

    - Sabes Aramis, a decisão que tomas vem em boa altura porque os tempos que se aproximam vão ser difíceis.
    Talvez eu tenha uma solução para o teu problema…Ouve-me com atenção e só depois te pronunciarás…
    Há oito anos atrás, quando chegaste a Paris depois do que aconteceu em Noisy-Le-Sec fiz-te uma proposta que na altura rejeitaste mas que, espero, aceites desta vez. Nessa altura ofereci-te a possibilidade de ires para a minha terra e ficares com a minha família no Sul de França. Tenho um irmão que vive perto da zona dos Pirenéus…está casado e tem os seus próprios filhos… Sei que te aceitariam e tratariam muito bem, sem fazerem muitas perguntas.
    Além disso, é uma região que está muito longe de Paris…de Noisy-Le-Sec… Lá, ninguém te reconheceria, ninguém saberia qual é a tua identidade, o teu passado…Poderias refazer a tua vida, assumir a tua verdadeira identidade…enfim…viver sem estes sobressaltos…
    Podemos dizer que tiveste muita sorte durante todos estes anos pois conseguiste passar por homem sem que se descobrisse a verdade mas talvez este seja um sinal de que as coisas estão a mudar…
    O que te parece esta ideia?
    Sei que a viagem é longa mas não terias que ir sozinha…um dos teus companheiros prepara-se para ir até casa…

    Neste momento, Tréville interrompeu o seu discurso apercebendo-se que dissera mais do que devia ao falar de assuntos que diziam respeito á vida privada de outros membros da Companhia. Mas era tarde demais para corrigir este erro pois Aramis seguia atentamente todas as palavras proferidas pelo Capitão e naquele momento já começava a imaginar quem poderia ser esse companheiro…

    - Senhor, sois muito generoso mas não posso impor-me assim a ninguém…

    Percebendo que Aramis não iria explorar a sua falha, pelo menos naquele momento, Tréville aproximou-se da jovem, disposto a convence-la a aceitar a sua proposta.

    - Renée…não seria nenhuma imposição mas sim um grande prazer. Seria a oportunidade de retribuir tudo aquilo que devo ao teu pai e que nunca conseguirei pagar.
    Diz-me…o que te pode ainda motivar a ficar em Paris, depois do que me contaste? Ainda tens necessidade de ficar perto de Noisy-Le-Sec? Não me parece…
    Os senhores Herblay estão bem de saúde…ao contrário do que aconteceu há oito anos atrás quando o velho senhor esteve muito doente. Foi um dos argumentos que usaste para não te afastares muito de Noisy-Le-Sec…querias estar por perto caso acontecesse o pior…
    Também querias saber se o assassino de François ficaria nesta zona…esse é um outro assunto que também já ficou resolvido, por aquilo que sei…então o que é que ainda te prende a Paris?

    Ao ouvir aquelas palavras, Aramis não pôde deixar de fixar os olhos no Capitão pois era óbvio que havia coisas que a fariam ficar…
    Tréville mordeu os lábios percebendo que teria que usar argumentos mais fortes para a convencer, mesmo que isso implicasse revelar informações que até ao momento ainda eram confidenciais.

    - É claro que sei quais são os motivos que te fazem querer ficar em Paris mas é provável que as coisas mudem, até mais depressa do que queremos.

    Tréville desviou o olhar e afastou-se. Dirigiu-se para a janela como se a simples contemplação daquilo que se passava no exterior lhe pudesse dar algum alento para os difíceis tempos que se aproximavam a grande velocidade. Nada disto passou despercebido á jovem…era evidente que alguma coisa se passava com o Capitão e ela pretendia descobrir o que era, pelo que se aproximou dele.

    - Senhor…tenho que vos pedir desculpa pois até agora tenho estado aqui a importunar-vos com os meus problemas esquecendo-me que também tendes os vossos. Será que vos posso ajudar de alguma forma?

    - Não Aramis, não há nada que possas fazer. Os tempos que se aproximam são difíceis e vamos ter que os enfrentar da melhor forma que pudermos e talvez, quem sabe, procurar outro modo de vida… – Tréville fez uma pausa antes de continuar - É muito provável que a Companhia dos Mosqueteiros acabe em breve…

    Tal afirmação provocou uma reacção de completa estupefacção na jovem…Como é que era possível o Capitão dos Mosqueteiros dizer tal coisa, quase como se estivesse resignado á possibilidade da Companhia desaparecer num futuro muito próximo?

    - É como digo – continuou Tréville num tom de lamento – o Mundo muda muito depressa e por vezes os sonhos acabam rapidamente…os Mosqueteiros, tal como os conhecemos, não serão em breve mais do que uma recordação do passado…

    - Não, Capitão, isso não é possível – Aramis exprimia-se num tom de voz completamente exaltado – Não posso aceitar o que me estais a dizer…não com toda essa serenidade…

    Ao ouvir a forma como a mosqueteira se exprimia Tréville acabou por perder a imperturbabilidade das suas últimas palavras e também ele explodiu.

    - Então achas que estou sereno com a possibilidade da extinção da Companhia??? Pensas que isto não me afecta de modo algum? Que me resigno a aceitar esta ideia sem ficar com o coração despedaçado? Se é isso que achas é porque não conheces bem o teu Capitão…

    Depois daquele acesso de fúria, Tréville acalmou-se um pouco e olhou para a jovem que baixara os olhos para os fixar no chão, envergonhada por ser a causadora de tal reacção no Capitão.

    Percebendo que tinha exagerado um bocadinho Tréville procurou redimir-se do seu comportamento.

    - Desculpa Aramis, não devia ter reagido assim de forma tão impulsiva mas as últimas notícias que chegam á Corte são preocupantes…além disso também não dormi muito bem esta noite, percebes?

    Aramis assentiu com a cabeça sorrindo ligeiramente… Morfeu também não estivera ali naquela noite!
    Naquele momento Tréville olhou para a jovem com um ar enigmático…será que ela podia ajudar de alguma forma? Desde que Aramis entrara nos Mosqueteiros Tréville percebera que a jovem tinha uma maneira diferente de ver as coisas, uma outra perspectiva que talvez fosse influenciada pela sua essência feminina e que na maior parte das vezes permitia ver soluções que escapavam ao pensamento masculino.

    - É como digo Aramis, esta noite não foi nada proveitosa mas…talvez me possas ajudar. Este assunto que ocupou os meus pensamentos em breve será do conhecimento de todos…pessoalmente não sei se será possível evitar a tragédia que poderá atingir a França nos próximos tempos…

    Aramis ouvia estas palavras cheia de angústia.

    - Por favor, vamos sentar-nos para estarmos mais á vontade – Tréville indicou a secretária que se encontrava num canto do seu gabinete.

    - É assim…como sabes as últimas décadas do século passado não foram nada generosas para o nosso Reino…É que para além de toda a instabilidade política que nos atingiu ainda tivemos que enfrentar o flagelo das guerras religiosas que provocaram verdadeiras carnificinas… Como sabes, a situação só acalmou quando Henrique IV, pai do nosso rei assinou em 1598 o Édito de Nantes. Olhando agora para trás, talvez esta não tenha sido a melhor solução mas na altura já estava tudo farto de guerras, de matanças e destruição. O país queria a paz, percebes? Queria sarar as feridas e concentrar-se na sua reconciliação… Henrique IV, ele próprio um protestante convertido ao Catolicismo por força das circunstâncias, estava farto de tantos conflitos e queria a paz, achando que o melhor seria ceder um pouco e permitir que os seus súbditos fossem livres de escolher a religião que queriam professar. O Catolicismo ficou como a religião oficial do Estado sendo os protestantes autorizados a exercer a fé á sua maneira. Para além disso ainda lhes foi permitido possuírem locais próprios onde poderiam viver livremente sem interferências de outros tipos de poderes. O grande problema é que neste momento isto já não é suficiente para eles…

    Neste momento Tréville fez uma pausa no seu discurso para fitar a jovem que ouvia atentamente todas as palavras que ele proferia. Inspirando profundamente, o Capitão decidiu continuar:

    - Para a maior parte dos protestantes é preciso ir mais longe… quer dizer, não lhes basta terem locais específico, fortificados, onde podem viver sem serem importunados…Eles querem ir mais longe…parece que até já estão a falar em independência…

    Tréville parou como se sentisse toda a força que estas palavras pareciam acarretar. Aramis, que até então estivera calada a seguir atentamente todo aquele raciocínio decidiu quebrar o silêncio.

    - Senhor…os protestantes já não querem fazer parte do Reino de França?

    Tréville suspirou antes de continuar:

    - É um pouco por aí…Ontem ao final do dia, fui chamado ao Louvre por Sua Majestade. Quando lá cheguei descobri que Sua Eminência também lá se encontrava… A situação parece ser muito grave pois segundo os espiões de Richelieu várias das praças fortes na posse dos protestantes estão a ser preparadas para a guerra…inclusivamente até há notícias de que os ingleses estão directamente envolvidos nesta situação pois estão a avançar com dinheiro e outros apoios no sentido de virem a auxiliar qualquer futura sublevação…

    Aramis ouvia horrorizada o relato feito pelo Capitão.

    - Senhor…eles pretendem sublevar-se? Então isso significa que…

    - Significa que em breve poderemos voltar ao horror da guerra… - interrompeu Tréville – Se estes planos forem em frente isto poderá significar o regresso á barbárie generalizada…se não for pior do que isso…uma guerra contra os ingleses…

    Definitivamente Aramis percebia perfeitamente o porquê da angústia do Capitão.

    - Senhor…mas falaste também numa outra situação…o fim dos Mosqueteiros…Não percebo o que é que uma coisa tem a ver com a outra…

    - Ah…isso…pois é…Richelieu tem muitos defeitos mas não se pode dizer que não saiba aproveitar as oportunidade quando elas aparecem…Sabes Aramis, se partirmos para a guerra os tempos que se seguem serão muito delicados porque será difícil prever a sua evolução. E então se os ingleses decidirem intervir com parte das suas forças militares a situação poderá tornar-se verdadeiramente catastrófica.
    Um dos motivos que levou Henrique IV a ceder foi a longa duração que a guerra estava a ter com as suas consequências nas finanças públicas. E esse é precisamente o argumento que Richelieu pretende aproveitar para dissolver a Companhia dos Mosqueteiros promovendo a sua integração nos seus Guardas. Richelieu já está a falar de contenções financeiras e infelizmente o Rei não parece opor-se a tal situação. Enfim…se os planos de Richelieu forem em frente os Mosqueteiros poderão extinguir-se em breve…

    Tréville calou-se deixando um profundo silêncio tomar conta da sala. Olhou para a jovem impávida e silenciosa que nada dizia. O Capitão pensou que era a altura indicada para continuar o seu discurso achando que já tinha exposto argumentos suficientes para levar Aramis a tomar a decisão definitiva de deixar os Mosqueteiros.

    - Aramis – Tréville exprimia-se num tom profundo – se alguém quiser sair da Companhia esta é a melhor altura. O que te disse ainda é secreto pelo que podes abandonar o teu cargo sem qualquer tipo de comentários ou represálias…percebes o que quero dizer? Esta é a melhor altura para o fazeres…entendes?

    Aramis continuava calada sem nada dizer pensando profundamente em tudo aquilo que acabava de ouvir. Será que o Destino já estava traçado e a guerra era inevitável? Será que ela podia partir depois de ouvir tudo aquilo? Naquele momento a sua mente reflectia sem conseguir tomar uma decisão. Pensando que a jovem hesitava em revelar a decisão de sair da Companhia, Tréville continuou.

    - Se quiseres sair dos Mosqueteiros hoje, ninguém te censurará porque a situação ainda está calma mas daqui por uns tempos as coisas serão diferentes…

    Aramis fixou o seu olhar no Capitão. A confusão que assolara os seus pensamentos num primeiro momento estava a dar lugar a um sentimento de cólera pois percebia que Tréville pretendia usar o argumento do conflito eminente para a pressionar a tomar a decisão.

    - Senhor, compreendo os vossos argumentos mas se é esse o cenário actual não posso demitir-me…

    - O quê? – gritou Tréville – Não ouviste tudo o que te disse? Vamos entrar em guerra…

    - Mas ainda não chegámos lá…

    - Pode ser questão de dias…

    - Ou talvez não…

    - Arre…que és teimosa… Mas porque é que as mulheres complicam tudo? Porque é que não conseguem ver o que é evidente?

    As últimas palavras proferidas pelo Capitão desencadearam a fúria em Aramis que se levantou exaltada. Embora se sentisse ferver conseguiu controlar os seus sentimentos antes de responder.

    - Senhor, não se trata de uma questão de teimosia mas sim de procurar analisar a situação com racionalidade. Dizeis que a guerra é iminente mas não há notícias de que os ingleses estejam em França…Dizeis que os protestantes se vão sublevar mas a verdade é que ainda não o fizeram oficialmente…Dizeis que a Companhia dos Mosqueteiros vai ser extinta mas o que é certo é que essa notícia ainda não chegou ás ruas…Tudo isto só significa que ainda há tempo e esperança para alterar as coisas mas para que isso aconteça é preciso que os súbditos fieis estejam disponíveis para dar o seu contributo, que estejam prontos para servir o Rei e o Reino.

    - Mas a guerra…

    - Ainda não começou e enquanto o primeiro tiro não for disparado teremos que fazer tudo para a evitar…

    Tréville estava estupefacto com a força e determinação com que a jovem se exprimia.

    - Se não estou em erro senhor, pediste a minha ajuda e a melhor forma de a dar é exprimindo a minha opinião. Não podemos aceitar a situação como se se tratasse de um facto consumado. Enquanto a guerra não for declarada, enquanto o primeiro tiro não for disparado temos de acreditar que ainda há tempo para impedir isso…

    Tréville sorriu percebendo o que Aramis queria dizer. Para ele a situação já estava decidida mas para a jovem ainda havia esperança de alterar as coisas…e porque não? Talvez ela estivesse correcta e ainda houvesse tempo…

    - Muito bem…estou a ver…parece-me que a tua decisão já está tomada e que vais continuar na Companhia…E talvez ainda haja tempo de alterar as coisas como acabaste de dizer…
    Mas…e o tal rapaz que conhece o teu segredo? O que tencionas fazer?

    Aramis suspirou.

    - Não sei como vou lidar com essa situação mas o que é certo é que nestas circunstâncias não posso deixar os Mosqueteiros. Além disso se um dos meus companheiros pode partir em viagem em breve precisareis de toda a ajuda para enfrentar o que o futuro nos reservar…Enfim…terei que procurar uma maneira de conseguir lidar com o Nial.

    Aramis olhou pela janela percebendo que o Sol brilhava com todo o seu esplendor.

    - Senhor…parece-me que é tarde…Tomei o vosso tempo e não me apercebi de que já devia ter entrado ao serviço há muito tempo…

    Tréville soltou uma sonora gargalhada.

    - Por acaso não estás a pensar ir hoje para o Quartel-General dos Mosqueteiros, pois não?

    - Bem…até estava a pensar nisso – Balbuciou Aramis um pouco confusa com aquele comportamento do Capitão.

    - Nem penses nisso…pelo menos por hoje…Então não te lembras que estás de folga?

    Aramis sorriu envergonhada pois tinha-se esquecido por completo de que o Capitão lhes tinha dado aquele dia de descanso.

    - Podes ter decidido ficar nos Mosqueteiros mas não penses que hoje vais trabalhar…Nem pensar nisso. Quero que vás ter com os teus companheiros e que se divirtam o máximo que puderem pois pode não haver outra oportunidade nos tempos mais próximos.

    Aramis percebeu a mensagem do Capitão. Iria sair dali e procurar os amigos para terem um dia inesquecível sem pensarem que em breve as coisas poderiam mudar.

    - Aramis…um último pedido…Tudo o que te contei aqui ainda é confidencial…Peço-te que não comentes com ninguém esta situação pois como bem disseste talvez ainda haja tempo e oportunidade de alterar as coisas.

    Aramis anuiu com a cabeça antes de se despedir do Capitão. Saiu para a rua pensando na reviravolta que a sua vida tinha tido nas últimas horas. De manhã tinha a firme ideia de deixar para trás a sua vida como mosqueteiro mas depois daquela conversa com o Capitão percebera que não o podia fazer sabendo que a situação estava á beira de se complicar. Tinha que ficar e dar o seu contributo.

    Mas uma outra preocupação começou a preencher os seus pensamentos. Quem seria o tal companheiro que se preparava para fazer uma viagem? Seria o Athos que tão distante andava nos últimos tempos? Não…ela não podia ficar a pensar nisso pois outros assuntos mais importante exigiam a sua concentração…

    Aramis sorriu pensando na rapidez da mudança mas naquele momento estava decidida a ir ter com os amigos para gozarem a melhor folga que lhes fosse possível.
    Nial seria preocupação para outra altura…


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    Mensagem por Lyrrinne Sex Jul 23, 2010 4:37 pm

    Capítulo VII
    Mudanças Anunciadas

    A manhã até estava agradável, apesar das notícias que o Capitão de Tréville tinha transmitido ainda há pouco. Aramis, caminhava lentamente ao lado do seu cavalo, que alegremente decidira brincar com ela, ora mordiscando-lhe o ombro, ora batendo com a sua cabeça na dela, provavelmente este sentia a preocupação crescente no coração da dona e tentava a todo o custo afastar-lhe a mente da realidade, incentivando-a assim para a brincadeira.

    Apesar de toda a preocupação, Aramis não conseguia deixar de rir com aquela situação e tentava a todo custo que o animal sossegasse de uma vez, pois já estava a causar o riso de algumas pessoas que passavam por perto deles a caminho dos seus afazeres.
    Aramis calmamente dirigiu-se para junto da muralha da ponte, que atravessava naquele momento e observou as aguas do Sena, que corriam com serenidade por debaixo dela, reparou na azáfama matinal de todos que ali viviam nas suas margens, os gritos, os risos os choros das crianças pequenas, mesmo que não quisesse sentiu um aperto no peito… toda aquela gente, todo aquele Povo ignorava que, quem sabe dali a poucos meses… quem sabe ainda menos… estariam todos sobre o jugo negro de mais uma guerra… mais sangue de inocentes seria derramado, quantos mais órfãos ficariam então filhos dessa nova guerra, que se avizinhava.

    Aramis suspirou, estranhamente sentiu um arrepio a correr-lhe as costas, era mosqueteiro… no fundo nada mais que um soldado, e já o era há quase oito longos anos… agora que tomara a sua decisão seria enviada como todos os outros para a frente, mal a guerra estalasse, mas a verdade é que apesar de todas as batalhas que travara como mosqueteiro, nunca estivera num verdadeiro campo de batalha… ouvira contar tantas atrocidades da última guerra, que só a ideia destas a fazia sentir-se nauseada. A guerra fazia coisas horríveis às pessoas, mudava-as de uma forma que os seus antigos “eus” nunca mais voltavam a ser os mesmos. Corria igualmente o risco de morrer, de alguma forma atroz, todos ficariam a saber então que ela era de facto uma mulher, iria por certo ser abandonada a apodrecer num canto qualquer, sem direito a um enterro digno… Aramis abanou a cabeça, já estava a pensar em demasiadas calamidades para uma manhã tão bonita e além disso, estaria com os outros e sempre se protegeram uns aos outros, nada ia mudar isso, pareceu-lhe ter ouvido chamarem-lhe pelo nome ao longe, mas estava tão concentrada nos seus pensamentos que ignorou por completo a sensação de ter realmente ouvido algo. De facto chamavam-na, era d’Artagnan que vinha a cavalo, a trote pela rua, parecia tão estranhamente feliz, com um sorriso que jubilava em toda a sua juventude e alegria.

    - Aramis! Aramis, Parece que estás noutro lugar, está tudo bem?! – desmontou e coloca-se ao lado da amiga.
    - Sim, está tudo bem, Charles… - puxa o chapéu deste para a frente da cara dele.

    D’artagnan tira o chapéu e olha para Aramis desconfiado, ela tinha-o tratado por Charles, nem mesmo Constance o fazia, e isso era sinal mais que suficiente para ele que algo estaria errado.

    - Vou fingir que acredito, Renée… - repete o gesto dela.
    - Ei… - sorriu – madrugamos hoje os dois, não era suposto estarmos de folga?!
    - É verdade, mas tenho uma novidade que não pode esperar e quis apanhar o Capitão ainda em casa! – D’artagnan tinha um sorriso de orelha a orelha.
    - Que se passa, não é costume acordares tão bem-disposto, normalmente estás sempre rezingão por estas horas! – Aramis riu-se.
    - Ei, quem é que é rezingão? – sorriu. - Bem, eu ia falar com o Capitão primeiro… e só logo à noite contigo e com os outros… mas acho que não aguento tanto tempo!
    - Então fala de uma vez! Pareces uma criança prestes a abrir um presente, que se passa afinal?!

    D’artagnan ficara algo encavacado e nervoso, a enrolar o chapéu entre as mãos, até que num pulo abraça apertadamente Aramis, com o maior dos sorrisos estampados no rosto e grita de tal forma que meia rua deveria tê-lo ouvido! Pois muitos pararam e olhara em direcção a eles.
    - VOU SER PAI!!!
    Aramis fica atónica quase sem palavras, parecia procurar o que dizer juntamente com a recuperação do fôlego, que d’Artagnan roubara no seu abraço apertado.

    - Então Aramis, não dizes nada?!
    - Ah… bem… é… parabéns! Como é que isso aconteceu… quer dizer, eu sei como, mas.. ah tu sabes!
    - Lembras-te quando fui chamado ao palácio?!
    - Sim, safaste-te de ajudar nas provas… foi um dia longo! – suspirou ao lembrar-se da figura que fez com NIal.
    - É verdade… - riu – Pois bem, a Constance andava já a ter alguns desmaios… e coisas esquisitas – riu novamente - finalmente ontem tivemos a confirmação que vamos ser pais em breve!

    Aramis sorridente abraça então d’Artagnan, com um carinho quase maternal. Ficara novamente preocupada, pensava agora como iria d’Artagnan reagir à notícia da guerra… era bem provável que não estivesse em casa quando o filho nascesse, as lágrimas brotaram-lhe dos olhos, d’Artagnan rapidamente apercebe-se que a amiga tinha ficado emotiva com a notícia.

    - Aramis… estás bem?!
    - Oh… não ligues estou a ficar lamechas… -suspirou e tentou sorrir, sem grande efeito.
    D’artagnan observou-a por uns instantes.
    - Nunca… nunca pensaste em ter filhos, Renée?!

    Aramis olha algo atónica para o amigo e ri-se com algum rubor na face, sorriu e após suspirar, responde calmamente.

    - Pensei, quando era uma mulher…
    - Isso não mudou…
    -D’Artagnan… a mulher morreu no dia em que depositei o caixão do François na terra…
    - Renée!…
    - É Aramis…

    D’Artagnan ficara algo preocupado, por momentos sentiu uma frieza desumana nas palavras de Aramis, palavras estas que o gelaram, ele sabia o quanto ela tinha sofrido no passado, e só podia imaginar o nível de dor e adversidades que teria feito frente para manter aquela farsa, de facto isso atormentava-o, agora que a promessa de vingança da morte de François estava comprida o circulo não tinha já se fechado? Não poderia ela tentar ser feliz, como ele era agora com Constance? Aramis… ou antes Renée, era uma mulher atraente, ainda que se fizesse passar por um rapaz jovem e elegante, agora que D’artagnan conhecia o seu segredo podia vislumbrar nela alguns traços atraentes, que poderiam arrebatar qualquer coração masculino. Teria ela medo de abrir novamente o seu coração ao amor e ao carinho de alguem?!

    - Perdoa-me d’Artagnan… - suspirou - d’Artagnan?… - disse numa voz quase sumida.
    - Sim?!
    - Se… me acontecer algo, no futuro, posso contar contigo para que faças chegar o meu corpo a Noisy – Le – Sec?!
    - Mas que raio estás para aí a dizer, Aramis?! Estás doente?! – notava-se uma real preocupação nos seus olhos.
    - Responde somente, Charles! – insistiu Aramis.
    - Sim… é claro que o faria… o que se passa Aramis, que tens afinal?!
    Aramis olha para o rio novamente, e sorri.
    - Obrigada, agradeço-te… somente… - suspira - …sabes, que vivemos uma vida muito arriscada, já sobrevivi a muitos duelos e emboscadas… mas, nunca sabemos quando vai chegar aquela, que pode ditar de vez o nosso destino, não é mesmo?! E quero ter a certeza, se por algum motivo eu não sobreviva a alguma coisa que possa vir a acontecer, que… que o meu corpo descansará eternamente ao lado do de François… compreendes?!
    - Nem é preciso pedires tal coisa… - d’artagnan estava incomodado com o rumo da conversa.
    - Meu Deus, tu com uma notícia maravilhosa, como a da vinda de um filho, e eu aqui a divagar com mortes e desgraças, peço que me perdoes! – estava constrangida com a situação.
    - Bem, todos nós já pensamos no mesmo… acho… eu também tenho medo, agora mais que nunca de não ver crescer o meu filho… de deixar a Constace sozinha…
    - Eles jamais ficarão sozinhos! – sorriu. – Sabes bem!
    D’artagnan sorri para Aramis e pousa a mão sobre o ombro desta.
    - Ah… a Constance e eu, gostávamos que fossem todos jantar hoje lá a casa, a Marthe vai fazer aquele assado maravilhoso, que todos tanto adoram!
    - É melhor ela fazer dois, um…
    - …só para o Porthos! – d’Artagnan soltou uma gargalhada.
    - Realmente, não sei onde mete aquele homem, tanta comida. Valha-me Deus, come mais que um regimento de infantaria, sozinho! – Aramis faz um ar de pânico a brincar.
    - Então fica combinado, irei falar com os outros dois e com o Capitão de Tréville! – salta para cima da sela do seu cavalo – Aaah Aramis, diz ao teu hospede para vir também!
    - O Nial?... mas porque… - reflectiu - ah, claro… sim eu levo-o comigo!
    - Óptimo! Então até logo, Aramis! – incentivou o cavalo a andar.
    - Ah… sim, e mais uma vez, parabéns!

    Aramis ficou sorridente a ver o amigo a desaparecer na curva mais abaixo que dava para a casa do Capitão de Tréville. Puxou pelas rédeas do seu cavalo e monta-o por sua vez.

    - Bom, meu velho amigo, acho que temos que levar algo para o d’Artagnan e a Constance, não achas?!

    O cavalo acenou afirmativamente com a cabeça. Aramis debruça-se sobre o pescoço deste e sussurra-lhe.

    - Então, toca a andar, vamos até ao mercado!

    Passaram-se algumas horas entre a conversa de Aramis com o amigo e companheiro d’Artagnan e agora já a sua mente não divagava tanto nos problemas futuros que se avizinhavam mas mais na nova vida que vinha a caminho, iria por certo alegrar a vida de todos, sorriu a pensar que d’Artagnan era o mais novo dos quatro e ia já ser pai.

    Já passava muito mais do meio-dia quando Aramis regressara a casa, carregava alguns fardos com comida e outras coisas necessárias para aquele dia e não só.
    O cavalo de Nial estava no seu canto a comer calmamente. Aramis pousa a sua carga no chão e trata de retirar os arreios e sela do seu cavalo, que demonstrou de imediato alívio de se ver livre de tais preparos incomodativos. Após ter deixado os animais confortáveis, subiu para casa. Olhou em volta, havia silêncio, a porta do pequeno quarto estava aberta, Nial não se encontrava ali, presumiu que teria saído por perto, provavelmente para andar um pouco, ou de outra forma teria levado o cavalo consigo, fosse como fosse Aramis teria assim uns momentos só para si.

    Aramis entra no seu quarto, abismada vê Nial deitado numa posição quase fetal na sua cama abraçado ao seu único vestido que ela guardava religiosamente. Enraivecida arranca o vestido das mãos de Nial, fazendo-o acordar em sobressalto.

    - Mas que raio pensas que estás tu a fazer?! – gritou com ele.
    - Des… desculpa… eu… eu… não queri… - estava aflito.
    - Sai IMEDIATAMENTE do meu quarto Nial… AGORA! – aponta-lhe a saída.
    - Renée, ouve-me…
    - Ouvir?! Apanho-te no meu quarto… - olha para o vestido - …ainda por cima andaste a mexer nas minhas coisas, como te atreves?!
    - Perdoa-me, sei que errei mas… não resisti… quis estar um pouco perto de ti… sentir-te… foi a única forma que consegui, visto que me repudias como a um cão sarnento!

    Aramis olhava-o num misto de indignação e surpresa, o que estava ele a dizer-lhe, estava louco só podia! Pensava que já tinha metido os limites na cabeça de Nial na conversa anterior, agora isto era invasão da sua privacidade!

    - Nicholas, para teu próprio bem… sai daqui! AGORA! JÁ!
    Nial sentiu-se ultrajado será que ela era assim tão cega que não via que ele a amava, que sempre a amara.
    - O François está MORTO! Renée acorda, continuas apaixonada por “algo” que já nem um monte de ossos é!

    A raiva cresceu furiosamente dentro do peito de Aramis, num impulso mais forte que a própria vontade, Aramis desfere um soco tão forte no rosto de Nial que faz com que este caia pesadamente no chão. Nial agarrado ao queixo não queria sequer acreditar que Aramis fosse capaz de ter tanta força física. Antes que Aramis pudesse dar conta Nial já estava de pé, num ápice agarra-lhe a cabeça entre as mãos e força-a a um beijo, Aramis fica em pânico o que estava ele a fazer? A custo consegue empurra-lo e soltar-se daquele beijo indesejado. Sentiu as pernas a tremer de tal forma que se deixou cair sobre o chão ficando sem reacção naquela posição. Nial parecia assustado com a própria atitude violenta que tivera.

    - Renée… perdoa-me… eu juro… - as lágrimas corriam-lhe pelo rosto - eu não queria… juro que não… eu… - em desespero sai a correr do quarto.

    Aramis sentia-se desolada, o estrondo da porta do quarto de Nial a fechar-se, fez com que ficasse ainda mais a tremer… não se sentia assim tão impotente desde a morte de François… a morte de Fraçois… a voz de Nial ecoou-lhe na cabeça “- O François está MORTO! Renée acorda, continuas apaixonada por “algo” que já nem um monte de ossos é!”… como podia ele ser tão cruel… mas.. mas ele bem no fundo tinha razão, François há muito que já não o era… e ela tinha deixado de viver por causa de uma vingança e agora, tudo ia mudar, a guerra.. os mosqueteiros iam deixar de existir… Aramis abraça-se aos próprios joelhos embalado o corpo.
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    Fic Coletiva: AS COISAS MUDAM Empty CAPÍTULO VIII - Dúvidas e Sentimentos

    Mensagem por degen_aramis Seg Ago 30, 2010 7:01 pm

    Antes deste capítulo, quero deixar os meu agradecimentos à artista Mokugyo, por ter desenhado uma fanart que ilustra na perfeição um das cenas que descrevi; não sou dona nem possuo quaisquer direitos sobre este desenho, apenas utilizei o link que remete para a visualização do mesmo.
    Deixo também o agradecimento à "censureira-mor" Anbel pelas dicas e sugestões que apresentou aquando da redacção deste capítulo!


    CAPÍTULO VIII -
    Dúvidas e Sentimentos

    Depois de ter dado o soco a Nial, de ter ficado imóvel no chão do seu quarto, a única coisa que percorria a mente de Aramis eram as palavras de Nial “O François está MORTO! Renée acorda, continuas apaixonada por “algo” que já nem um monte de ossos é!” – estas palavras cruéis martelavam na sua cabeça como punhais, e o seu único reflexo neste instante foi abrir o seu gibão, e puxar o pendente que dera a François, com a sua imagem, acariciando-o com a mão. A pedra ainda estava partida, desde o duelo com Manson, e Aramis murmurou para consigo, entre novos soluços e lágrimas:

    “Oh, François, porque é que me deixaste? Vinguei-te, cumpri a minha promessa, sou mosqueteiro do rei, um dos melhores, tenho amigos maravilhosos, mas estou sozinha…sinto-me tão sozinha, François…eu quero ser forte, afinal consigo passar por um homem há oito anos, mas… mas Nial veio roubar-me a força…tu estás morto, sim, já não existes, mas eu… eu estou viva, e preferia ter morrido contigo…mas porque é que isto veio acontecer agora na minha vida? O que é que eu faço, François?”. Após este monólogo, Aramis sentiu que as forças a deixavam, levantou-se, trancou a porta do quarto, e deixou-se cair na cama, adormecendo profundamente.


    Aramis estava perdida no tempo. Sonhava com os passeios a cavalo com François, junto ao rio, o seu olhar profundo e quente, quando lhe erguia a mão e lha beijava carinhosamente, a felicidade que sentiam juntos, o dia em que lhe oferecera o medalhão…De repente, as imagens começaram a sobrepor-se umas às outras: lá ao longe, um trovão…uma tempestade… o cadáver de François…o funeral… o casamento imposto, a fuga, a chegada a Paris, Athos e Porthos, que a haviam treinado, os acontecimentos em Paris, D’Artagnan a descobrir a verdade em Belle-Île, Manson, … Nial…o treino…o beijo forçado…


    “AAAAAAAH!!” – Aramis ergueu-se sobressaltada. Não sabia quanto tempo estivera assim, nem tampouco que tinha adormecido…só sentia que estava com o gibão molhado, uma ligeira dor de cabeça de todas aquelas memórias, e que os membros estavam a ficar dormentes de estar numa posição desconfortável na cama.
    O céu já se tingira de um azul-avermelhado, anunciando que o sol já se pusera.



    *****


    Entretanto, na pequena taverna perto do Sena, de seu nome “Fusil D’Argent”, maioritariamente frequentada por mosqueteiros, encontrava-se um jovem sozinho numa mesa do fundo da sala, com nítidos sinais de quem já tinha bebido uns bons copos de vinho a mais. Tinha o queixo inchado, de um vermelho arroxeado, (sinal de que fora ali agredido por um punho cerrado algum tempo antes) e estava com a cara junto à garrafa semi-vazia que segurava numa mão, e um copo semi-cheio na outra mão.


    Deambulava com os seus pensamentos em torno do que acontecera naquela tarde, tentando afogar o misto de fúria, medo e vergonha através da bebida. Não reparava no que o rodeava, apenas queria que a dor do seu peito desaparecesse…Então, no meio da sua divagação, uma jovem mulher, com os cabelos loiros, e olhos esverdeados, vem sentar-se junto a este jovem, que parece estar com visões. Pousou o copo e a garrafa, e esfregando os olhos, como para ter a certeza do que estava a ver, vê aquela mulher, a que o havia esmurrado, sentar-se ao colo dele. Esboça baixinho “Renée?!”, e passa-lhe com uma das mãos pelos cabelos.


    A jovem emite uma risada tímida, e acariciando-lhe a face, apenas disse “Meu rapaz, eu sou quem vós quiserdes que eu seja…Vamos subir??” A jovem mulher (de seu nome Julie, fiel empregada e conhecida de Porthos) fizera Nial falar sobre o porquê da bebedeira, e os seus sentimentos frustrados. Entretanto, o sol já se pusera, e a luz da lua penetrava através da pequena janela de um quarto.


    O jovem Nial despertava lentamente, não se recordava de como tinha ido lá parar, ou o que tinha acontecido. Nem de quanto tempo havia passado. Estava acordado, vestido, e com uma dor de cabeça fenomenal, e cheirava a vinho de alto a baixo. Mas lembrava-se do beijo, do murro de Aramis, e da sua fuga da casa dela. “ Aramis, não Renèe, não Aramis… bolas, deitei tudo a perder… ela odeia-me… tenho que ir pedir desculpas…tenho que ir até casa dela e pedir perdão…fui tão estúpido… Como vim parar a este quarto? Não me lembro de nada…” , e com este pensamento, Nial saiu da taverna e dirigiu-se até casa de Aramis, pronto para enfrentar a tempestade que decerto o esperaria, mas apenas encontrou a casa vazia, a lareira apagada, e nenhum sinal de Aramis. Resolveu então instalar-se ali mesmo, na pequena sala, abrir uma garrafa de vinho, e continuar a beber para afastar a mágoa, e iria esperar ali, até que Aramis regressasse.

    *****


    Naquela manhã de Verão, que trouxera consigo todo o esplendor do sol, Aramis não tinha sido a única pessoa a levantar-se mais cedo do que o habitual, e a dirigir-se à residência particular do Capitão Treville.


    Os acontecimentos do dia anterior haviam remoído toda a noite na mente de Athos, que com a chegada repentina de Nial, não tinha podido explicar aos amigos porque é que não estariam juntos no dia de folga conjunta, que tão raras vezes tinham… Mas porque é que Aramis tinha agido de forma tão estranha face a Nial? Mais do que isso, como é que um principiante inexperiente tinha conseguido derrubar Aramis, coisa que nem ele próprio conseguia fazer? E ambos eram de Noisy-le-Sec, isto eram coincidências a mais… e o olhar transtornado de Aramis após aquele treino individual, e a sua reacção violenta…

    Athos estava nitidamente confuso, e os sentimentos que o envolviam ainda mais o confundiam… Por que é que sentia esta necessidade de querer estar com Aramis? Era o seu melhor amigo, um colega de armas em quem depositaria e confiaria a sua vida – falta de ar, o coração a bater furiosamente no seu peito, suor a formar-se na testa –

    “Isto não são sentimentos que um homem sente face a um amigo – Não pode ser… até pareço que voltei aos 17 anos, e estou apaixonado… mas …raios… Aramis é um homem…e eu não posso sentir isto por um homem…não eu… Bom, isto passa… tenho que ir tratar mas é da minha ida até Bearn… não consigo enfrentar os meus amigos, tenho de ir sem me despedir…não os posso arrastar para o meu passado… nem eu quero voltar atrás, mas esta maldita carta…porque é que depois de tanto tempo, e depois de eu o ter enterrado e esquecido, o título de la Fere volta para me assombrar? Talvez o Capitão tenha uma ideia…” – e, absorvido por estes pensamentos, Athos chegara à casa do Capitão, e, estranhamente, via que ele se encontrava à janela no primeiro andar.

    Mesmo quando se quis dirigir à porta de entrada para fazer bater a pesada maçaneta, viu a porta abrir-se, só teve tempo de saltar para trás de um grande arbusto (espinhoso, já que era uma silveira, repleta de amoras…) que se encontrava à esquerda da entrada, evitar um grito ao sentir os espinhos atravessar o seu antebraço (logo hoje, por ser uma visita informal, ele não trazia as suas luvas), e ver que quem saía da casa era Aramis.

    “Aramis? Mas o que será que vieste aqui fazer tão cedo? E porque é que vens com esse ar tão pensativo, nunca te vi assim…não, algo se passa, e deve ser grave… nunca virias falar com o Capitão a casa dele se não houvesse alguma coisa… e eu vou descobrir o que é… Au, bolas, maldita silveira…” – e pensando isto, e vendo Aramis afastar-se, saiu do esconderijo improvisado, o que o fez ficar ainda mais arranhado, dirigiu-se à porta, bateu 3 vezes, e após a governanta, irritada, lhe abrir e lhe indicar o caminho para o escritório do capitão, Athos estava com o mesmo, e foi directo ao assunto (a um dos assuntos…).

    Athos: “Capitão, as minhas sinceras desculpas por vir ter convosco a vossa casa, tão cedo, e no meu dia de folga, mas há um assunto que tenho que esclarecer convosco, e não posso esperar. A minha ida a Bearn… esta carta que eu recebi… sei que vos pedi uma licença prolongada, a iniciar hoje, para ir tratar deste assunto… Não posso nem quero envolver os meus amigos nisto, e teria que ir embora sem lhes dar nenhuma explicação, nem sequer me despedir…mas… mas… mesmo depois de tudo planeado e preparado…eu…eu…” – o mais sábio e sempre contido dos mosqueteiros estava a balbuciar, e ficara sem palavras, abanando e baixando a cabeça.

    Treville: “ Bom, esta hoje é sem dúvida uma manhã repleta… Athos, porque estais todo arranhado no braço? E não devíeis estar em viagem? Em vez disso estais a balbuciar…isto nem pareceis vós…não estais a ser lógico… explicai-vos!”

    Athos:” É que eu…bem… eu…ontem quase que me descaí quando falei com os meus amigos. Disse-lhes que não ia poder estar com eles hoje, na nossa folga conjunta, mas antes que lhes pudesse dar mais alguma explicação, apareceu o recruta Nicholas. Depois aconteceu tudo muito depressa, e já não falei mais com eles. Só que o D’Artagnan propôs que nos juntássemos hoje os quatro, e eu, sinceramente, sinto-me inclinado a aceitar… mas não sei como fazer, tenho de ir até Bearn, resolver este assunto, e usar uma folga conjunta para me ir embora sem dar explicações aos meus amigos – não os quero magoar! Mas não estou a ver como fazer de outra forma, capitão!”

    Treville:” Bom, meu caro Athos, nesse caso, permiti-me de vos dar uma ajuda: usai este dia para estar com os vossos amigos, não vos preocupeis com a vossa ida até Bearn, ficará adiada, e na altura certa eu tratarei de informar os outros três que tereis que ir numa missão secreta, para esclarecer um assunto político relacionado com a nobreza e o Rei – o que não é mentira, apenas é uma versão que não menciona o vosso título e passado! E além disso, parece que temos uma conspiração entre mãos, que envolve altos nobres franceses, entre eles o vosso tio, George de Braguelonne. Ir até Bearn será para que possais resolver os vossos assuntos, mas também será essencial descobrir o que andará a conjecturar o vosso tio…Além disso, o Cardeal Richilieu tem andado constantemente de volta de Sua Majestade – por causa dos distúrbios na zona de LaRochelle… e isto não significa nada de bom…mais cedo ou mais tarde teremos que agir… ”

    Athos:” O meu tio? Conspiração contra o rei? Mas então, o que escreveu a minha mãe é verdadeiro? E por isso me queria avisar? Mas todos pensam que Olivier, Conde de la Fere, está morto…não posso aparecer assim, depois de 13 anos… ”

    Treville:” Podeis, sim, porque há quem ateste por vós sem problemas, inclusive eu. Além disso, sois o único herdeiro legítimo da família e do título – tendes que inventar uma viagem pelo Novo Mundo, pelos países europeus, e está justificada a vossa ausência durante estes anos. Mas deixai o resto para mais tarde, o que interessa hoje é que gozais este dia com os vossos amigos, e deixai que dos pormenores tratarei eu. Ides ter a vossa licença prolongada, mas depois de vos despedirdes deles, e eles a saber que ireis em missão secreta. E assim não precisais de lhes dar mais explicações.”

    Athos:” Obrigado, capitão. Irei seguir as vossas ordens, mas… há outra coisa que me preocupa, que tenho que falar convosco. É que Aramis…”

    Treville (arqueando a sobrancelha, e olhando fixamente para o seu mosqueteiro):” O que há com o Aramis?”

    Athos:” Vi-o sair daqui antes de chegar. Porque está ele tão transtornado? Bem sei que se passa algo, que está relacionado com o novo recruta, o Nicholas… o que se passa entre eles? Como é que um recruta consegue derrubar Aramis?”

    Trevile (virando as costas a Athos, e dirigindo-se à janela, para não olhar o mosqueteiro de frente): “ A minha silveira, hmmmmm?? Bom, não posso negar que sejais muito perspicaz, e que tenhais percebido que há alguma tensão entre o novo recruta e Aramis. Mas vós, melhor do que ninguém, deveis perceber que sobre o passado e os assuntos pessoais dos meus mosqueteiros, é cada um responsável por si próprio.”

    Athos olhava atentamente o Capitão, mas não ousou interromper.

    “ Portanto, Athos, pretendo manter essa regra. Se quereis saber o que tem o vosso amigo, tereis que resolver esse assunto com ele. Entendido?” – esta última afirmação foi dita em tom austero, e tratava-se de uma ordem directa, não dum pedido.


    Athos (surpreso, e intrigado pelas palavras do capitão, mas assumindo continência, fez uma vénia):” Sim, capitão, entendido. Desculpai a minha intromissão, seguirei as vossas ordens e aguardarei novas instruções. Entretanto, se servir para ajudar de alguma forma, aqui tem a carta que a minha mãe me enviou. Ficai com ela, não contém nada que já não soubésseis…Com sua licença, retiro-me.”


    Treville (voltando-se novamente para Athos, agora com um sorriso na cara, e dirigindo-se a ele de forma informal, e pondo-lhe a mão sobre o ombro):

    “Obrigado. Só uma última coisa, Athos. Em relação a segredos bem guardados, e a passados escondidos, se fosse a ti não me preocupava demasiado com esse assunto, ou com a reacção dos teus amigos – podes até nem ser o único com uma vida passada “secreta”… e seres um Conde não altera nada na pessoa que és hoje…além disso, os amigos verdadeiros respeitam o porquê de cada um ter os seus segredos. A amizade que vos une é muito forte, não te preocupes tanto…Ahahahah!” – com um gesto da sua mão, Treville deixou a sua gargalhada no ar, e fez sinal a Athos que podia retirar-se.


    Athos ficara com a frase de Treville sobre os segredos a envenenar-lhe a mente: estaria a falar de Aramis? Sim, porque Porthos e d’Artagnan não tinham segredos, agora Aramis, aquele rapaz franzino, com olhos azuis e cabelo loiro, de cujo passado nada sabiam, o que estaria ele a esconder? Que relação teria tido com Nicholas? E porque é que o capitão referira Noisy-le-Sec, a terra de Aramis, e um conde conspirador?

    E foi a matutar nestas perguntas que Athos descera as escadas, e estava prestes a sair da casa, quando, sem reparar, alguém esbarrou nele frontalmente, ficando ambos os indivíduos de joelhos no corredor. Era D’Artagnan.


    *****

    D’Artagnan (surpreso, a esfregar a testa): “Oh, Athos, desculpa. Vinha tão distraído que nem te vi, não pensei que viesse alguém deste lado…”

    Athos (igualmente surpreso, esfregando também a testa): Hmmmmm… D’Artagnan??? Tu, por aqui, tão cedo? O que vens fazer a casa do Capitão?”

    D’Artagnan:” Bem, eu… eu tenho uma noticia a dar ao Capitão, e não podia fazê-lo no quartel… é pessoal…daí que vim até aqui…mas parece-me que em vez de ser o Capitão o primeiro a saber, já vai ser o terceiro… eheheh… só falta o Porthos… é que eu… eu… VOU SER PAI!!”

    Athos (boquiaberto): O quê?? Mas…mas… quando? Não acredito… o jovem que ainda nem tem barba, vai ser pai… bom, devia desconfiar que algum dia isso iria acontecer, afinal já estás casado com a Constance há quase um ano… Parabéns, meu amigo, dá cá um abraço!” – e dizendo isto abraçou o amigo, dando-lhe palmaditas nas costas.

    Treville (estava no topo das escadas, avisado pela governanta de que mais alguém o queria ver, e não pode deixar de ouvir o que D’Artagnan havia dito em voz alta):

    “Ora, ora, isto hoje é mesmo uma manhã ocupada… e ainda nem comecei o serviço… com que então o jovem gascão vai ser pai? Pressuponho que foi por isso que fostes chamado à corte no outro dia? Os meus parabéns, meu jovem!” – e dizendo isto, o capitão desceu as escadas, aproximou-se de d’Artagnan, e deu-lhe um forte aperto de mão.

    D’Artagnan:” Obrigado, Senhor, obrigado Athos. Sim, foi por isso, porque a Constance estava a sentir-se outra vez mal, e a rainha quis que eu a escoltasse até ao médico. Bom, e não queria deixar de transmitir-vos isto pessoalmente, por acaso está cá o Athos, e ficou a saber… só falta o Porthos…cruzei-me com o Aramis, e também já lho disse. Agora, Athos, gostaria de exprimir um convite: logo à noite, a Constance e eu vamos dar um pequeno jantar em casa do Sr. Bonacieux! Não podes dizer que não vens…”


    Treville:” Bom, meu jovem D’Artagnan, obrigado por terdes vindo até aqui para me informar pessoalmente. Aproveitai então a vossa folga, e gozai uma boa noite entre amigos. Se era apenas isso, então podeis retirar-vos, e ide avisar o Porthos, que ele não gostará de ficar na ignorância… Até amanhã, senhores, um bom dia de folga! ” – e com um aperto de mão, Treville voltou costas, despedindo-se dos dois mosqueteiros, subindo novamente as escadas, e dirigiu-se para o seu quarto.

    D’Artagnan:” Obrigado, Capitão, até amanhã!”

    Athos:” Com vossa licença, até amanhã!”

    E ambos os homens saíram da casa. Athos ofereceu-se para acompanhar D’artagnan até casa do Porthos, mas parando primeiro na sua, para ir buscar um bom vinho, para celebrarem o evento (sim porque a pequena adega de Athos estava recheada de excelentes vinhos….), o que o jovem aceitou de bom grado. Após estarem envolvidos numa agradável conversa, e de Porthos ter recebido a notícia com espanto, mas que se transformou logo em razão para celebrar, D’Artagnan brindou com os dois amigos, mas desculpou-se logo de seguida, porque queria ir ajudar Constance nos preparativos do jantar. Athos, em conversa animada com Porthos, e depois de estar mais descontraído (devido ou não ao bom Bordeaux que estavam a beber), aproveitou o momento para perguntar:

    “Como está o recruta? É que depois do que se passou ontem, fiquei preocupado… e tu pareces dar-te bem com o rapaz…”

    “Athos, o miúdo é boa gente… inexperiente, um pouco tímido, mas bom rapaz…até é parecido com o Aramis quando ele cá chegou há oito anos…olha, até são da mesma terra e tudo… E aquela cena foi desagradável, o Aramis foi cá com uma velocidade…mas…então e tu?? Agora que estamos a falar, o que se passa contigo nestes dias? Tens andado estranho, fechado, e depois do que disseste ontem, não era suposto não estares cá hoje? E aquela carta… eu não sou estúpido, Athos, alguma coisa te preocupa também…”


    “ Hmmmmm, perspicaz, hein?? Tens razão, Porthos, eu tenho andado preocupado com assuntos pessoais que tenho que ir resolver…e para isso, vou ter que deixar Paris por uns tempos, e era para ter partido hoje – mas depois do que se passou com o Aramis…fiquei preocupado… Porthos, eu prometi que sempre o protegeria… e é o meu melhor amigo…não posso ir embora se o meu amigo precisa de mim…não sem ter falado com ele… sem ter estado com ele…(e mais uma vez o coração de Athos começou a martelar fortemente no seu peito, fazendo-o corar, o que ele tentou esconder desajeitadamente com uma das suas mãos, vertendo o vinho sobre o seu gibão)… Bolas… que ridículo… desculpa, amigo…”

    Athos levantou-se depressa demais, ficando ainda mais corado, e sentindo a cabeça a rodar, desequilibrou-se, e foi amparado por Porthos, que o sentou no pequeno divã. Estava com a respiração acelerada, gotas de suor a formar-se pela testa, e não sabia descrever o que estava a sentir. Entretanto, Porthos tinha reparado no que acontecera, e ficou atónito, dizendo:

    “Mas o que é isso, Athos? Tu, nesse estado? Vocês são muito amigos, Athos, afinal foste tu que treinaste o Aramis… somos mosqueteiros, é natural que nos preocupemos uns com os outros…”Um por todos, e todos por um!”, não é?”
    Athos recuperava lentamente a compostura e o fôlego:

    “Tens razão, amigo Porthos, eu sei que tens razão…eu ando farto de dizer isso a mim próprio, acredita que sim… mas não sei descrever estes sentimentos… não sei porque é que fico assim… aquele ar efeminado, aqueles olhos azuis e o cabelo loiro… reparaste que nunca nos deixa ver as mãos dele? Anda sempre de luvas… e nunca tira o gibão quando estamos ao pé dele, mesmo com o calor que tem estado…heheheheh, esquece, isto é ridículo… este vinho caiu-me mal…tens água fria e uma toalha? Tenho que me refrescar…e depois vou até minha casa, trocar de roupa…que não posso ir assim ao jantar…”

    E com estas palavras, Athos levantou-se, dirigiu-se à pequena divisão anexa, refrescou-se, agradeceu a Porthos a companhia, e despediu-se, combinando passar por ali para irem juntos ao jantar.

    Porthos ficou sozinho, com meia garrafa de vinho Bordeaux, a matutar no que tinha acabado de ouvir e ver:

    “Mas o que é que lhe deu? Aramis sempre foi reservado, e sempre foi assim…desde que o conhecemos…teve que lutar muito para conseguir o respeito dos colegas mosqueteiros, e ser visto como igual, precisamente porque tem este ar pouco masculino… mas compensa tudo com a arte de manejar o seu florete, e a rapidez e agilidade com que desarma qualquer um…Bem, vou gozar mais um copinho deste vinho, a mim não me afecta, e é pena estragar-se só porque o Senhor Athos teve mais uma neura…”

    *****
    Em casa dos Bonacieux o jantar estava quase pronto, preparado pelas excelentes mãos de Marthe. O cheiro do assado penetrava por toda a pequena divisão anexa à cozinha, e enquanto Porthos não parava de tentar entrar na cozinha para petiscar, e estava sempre a ser corrido por Marthe, Constance procurava ajudar, preparando os acompanhamentos, e querendo pôr a mesa… Mas um D’Artagnan profundamente feliz andava sempre de volta dela, a querer abraça-la, dando-lhe beijinhos na face e acariciando a zona da barriga…

    Entretanto Athos, que viera junto com Porthos, estava sentado numa das cadeiras junto à mesa, pensando para com os seus botões, mas a rir-se com tudo o que se passava à sua volta. Uma nova preocupação, sobrepunha-se, no entanto, à sua própria: onde estaria Aramis? Não era habitual atrasar-se…


    Porthos: “ Athos, porque é que estás com essa cara outra vez? Hoje é dia de festa, estamos de folga, vem um mini-D’Artagnan a caminho, e a comida tem um cheiro divinal… tira lá essa cara de preocupação, até pareces o Aramis quando tem um mau dia…a propósito, onde é que ele andará? Está a fazer-se tarde, ele nunca se atrasa…Pois, e o Nial também não apareceu ainda…devem andar os dois metidos nalguma…AHAHAHAH!” – foi o facto de se ter rido que evitou que Athos fulminasse o amigo com o olhar, mas, o olhar que lhe lançou denotou claramente… ciúmes???? Porthos ficou mais uma vez sem saber o que pensar…


    “Era mesmo isso que eu estava a pensar, Porthos. Será que aconteceu alguma coisa? Achas que devemos ir lá?” –

    Porthos ficou a olhar estupefacto para Athos – o mais experiente e sábio dos mosqueteiros a fazer-lhe uma pergunta a ele??? Ele, que tomava sempre todas as decisões importantes sozinho, e a quem todos recorriam? Mas o que se passava com o seu amigo? Andava mesmo com os sentimentos trocados…

    “Acho que te faz falta um pouco mais de vinho… bebe lá este copo, que eu vou avisar o pombinho D’Artagnan para largar a Constance e ir chamar o Aramis – assim, aproveito e entro na cozinha….e provo aquela tarte…hmmmmm…” – e rindo-se, deu uma palmada à Porthos nas costas de Athos, que, ao beber um gole de vinho, se engasgou e ficou a tossir, embaraçado (o que também nunca tinha acontecido antes…).


    D’Artagnan pôs-se logo a caminho, porque de tanto rodear Constance, nem se tinha apercebido que Aramis ainda não chegara. Mas, recordando a conversa que tivera com ela naquela tarde, uma ruga de preocupação atravessou a sua testa. Ele chegou lá e bateu à porta, mas só depois de várias tentativas é que Aramis (ao reconhecer a voz dele, e ao lembrar-se do jantar) lhe respondera que já desceria.

    Aramis ainda estava sentada na cama, mas recompôs-se rapidamente, passou a cara por água fria, penteou-se, trocou de camisa e gibão, agarrou no pequeno embrulho que comprara para oferecer ao amigo e a Constance, e desceu as escadas. Assumindo novamente a sua postura de “Aramis”, encobrindo os seus sentimentos, abriu a porta, deixando entrar um D’Artagnan intrigado:

    “Então, Aramis, o que é que aconteceu? Deixaste-nos muito preocupados porque não aparecias, estás bem? O que é que…?” – Aramis não o deixou terminar a frase, abraçou-o, e colocou-lhe o embrulho nas mãos:

    “Meu amigo, obrigado, sei que deves ter pensado que se tinha passado alguma coisa… desculpa ter-te deixado preocupado…mas perdi-me no tempo quando fui procurar a prenda certa para ti e a Constance, e depois devo ter-me deixado adormecer…este calor não tem sido fácil, se me entendes… (apontou com o dedo para o seu grosso gibão, sabendo que D’Artagnan entendia a que se estava a referir) Espero que gostem…e, vamos lá então? Bem sei que o Porthos odeia que o façam esperar, e então com os pratos da Marthe…anda lá, “Papá”!- e com estas palavras, Aramis empurra D’Artagnan para fora de casa, impedindo-o de responder, e seguiram para casa do Sr.Bonacieux.

    Foi uma noite de grande harmonia, D’Artagnan sempre ladeando a sua querida Constance, Porthos regalando-se quase até rebentar…todos os presentes, até Athos, irradiavam a mesma felicidade que os futuros pais. Apenas uma vez Porthos perguntara onde estava Nial mas o tom de voz glacial, e a mímica a corresponder, de Aramis, ao dizer um breve “Já não nos cruzámos antes de o D’artagnan chegar!”, fizeram com que ninguém ousasse questioná-la mais.


    Afinal estavam os quatro a passar o dia de folga juntos, bem, não o dia, mas a noite. Afinal Athos não fora embora como dissera no dia anterior. Após muitos copos de vinho, uma excelente refeição, muitos risos e muita boa disposição geral, Aramis sentiu um ligeiro peso no seu peito, e um caroço formava-se-lhe na garganta, pois ela estava a manter a sua postura e a conter as lágrimas que queriam à força viva voltar a inundar as suas bochechas. Ela disse, muito rapidamente, abanando a mão à frente da cara:


    “Ooops, acho que já abusei um pouco na bebida hoje… vou até lá fora apanhar um pouco de ar… Desculpem-me, já volto!” – esboçou um sorriso forçado, deu uma palmadinha nas costas de D’Artagnan, deu um beijinho a Constance, e foi para as traseiras da casa, onde estava o estábulo de Rossinante.

    Este, ao sentir que Aramis estava a suspirar, chegou-se com o focinho junto do ombro de Aramis, e deu-lhe pequenas turras, como que para a animar. Aramis acariciou-lhe a cabeça, e passou com os dedos pela crina, dizendo baixinho “És um bom cavalo, Rossinante. Até parece que sabes o que eu estou a sentir…e ao menos não fazes perguntas, e mostras a tua afeição sem te pedirem nada… és como o teu dono…um grande amigo…”

    Nisto, Porthos veio à procura dela:

    “Aramis, ah, estás aqui…olha, vamos fazer um brinde e não é a mesma coisa sem ti…faz-nos falta o “loiro” para compensar os morenos…anda daí, é só mais um copo…não te custa o sacrifício…” – e sem lhe dar hipótese, agarrou-a pelo braço e arrastou-a para dentro.

    “Um brinde à Constance e ao D’Artagnan, e que o pequeno rebento seja sempre acompanhado de bons amigos como nós o somos – e que daqui a uns tempos tenha primos loiros e primos morenos, e da minha parte serão ruivos…como a futura senhora “Porthos”, ahahahahahah…” -


    Porthos apertara Athos dum lado e Aramis do outro, unindo as mãos livres deles ao dizer estas palavras, e nesse instante, ambos coraram, embaraçados, cuspindo o gole de vinho que estavam a beber de novo para dentro do copo… e sentiram os corações bater freneticamente dentro dos seus peitos, coisa que não passou despercebida ao colosso, que os tinha aos dois encostados ao peito…

    Mas todos sorriram, até D’Artagnan, que sabendo que Aramis era uma mulher, nem descartava a hipótese de um dia talvez ela dizer a verdade a Athos, e talvez até abrir o seu coração…

    Já passava bem da meia-noite quando os três amigos saíram de casa do Sr. Bonacieux, e fizeram o percurso de regresso juntos, levando os cavalos pelas rédeas. Porthos ia apoiado nos outros dois, uma vez que tinha bebido e comido em demasia, e deixaram-no em casa, a dormir vestido, no divã da sala (ele já não conseguira subir as escadas, e nem Athos e Aramis juntos o conseguiam carregar).

    Estranhamente, e apesar de ter sido uma noite amena de verão, de repente o céu enchera-se de nuvens, e começara a chover. Athos despedira-se de Aramis, e seguira para sua casa, para não deixar o cavalo molhar-se desnecessariamente. Aramis abrira a porta com extremo cuidado, não queria cruzar-se com Nial, tinha sido uma noite tão agradável, e vê-lo significaria estragar tudo…penetrou na escuridão da pequena divisão, mas mesmo antes de chegar às escadas que a levariam à “segurança” do seu quarto, Nial acendeu uma vela, e dirigiu-se a ela, nitidamente embriagado, falando da cadeira onde se encontrava:

    “ Olá, boa noite, senhorita Herblay! Isso são horas de uma rapariga solteira chegar a casa? E sem ter avisado para onde ia? Tstststs…o fazer-se passar por um homem deve ter-te feito esquecer que não é assim que uma senhora educada se comporta… - AAAAAAAAAH!” –

    Nesse segundo, Nial sentiu um impacto fortíssimo acertar-lhe na cara, Aramis havia-lhe dado um grande estalo, apesar da fraca luz naquela divisão, tinha-o atingido certeiramente:

    “ SEU GRANDE IDIOTA!!!!! JÁ TE DISSE QUE O NOME É ARAMIS, E QUE NUNCA ME CHAMES OUTRA COISA! ESTÁS COMPLETAMENTE BÊBADO, ÉS UMA DESGRAÇA…!” – Aramis estava fora de si de raiva, aquele traste estava outra vez a pisar o risco…


    “ Hahahahahaha!!! - Nial riu-se, sarcasticamente, massajando a bochecha, mas estava de pé, frente a Aramis –

    “Eu, uma desgraça? Quem é que nesta casa devia de ter vergonha? Eu, que sou um homem verdadeiro, ou tu, Renèe, que te fazes passar por um homem, mas guardas um vestido e um bouquet de noiva dentro de um baú, e choras atrás de amores mortos e enterrados???” -

    E nisto, ele ergue uma pequena caixa de madeira, abrindo-a, e mostrando a Aramis o pequeno bouquet lá dentro.

    Foi a gota que fez transbordar o copo – Aramis arrancou-lhe a pequena caixa da mão, e dominada pela pura fúria, desembainhou o seu florete, fez um movimento ágil como uma gazela, e trespassou a mão esquerda de Nial com o florete, empurrando-o contra a parede. Nial apenas emanou um pequeno grito, estava tão bêbado que não notava a dor. Depois deste acto, Aramis sentiu a fúria amainar, mantendo-se de frente para Nial, deu-lhe um forte murro no estômago, fazendo-o cair para o chão, e dirigiu-lhe as palavras:

    “A tua sorte é que eu estou acima das provocações de um jovem idiota bêbado, e que essa ferida vai sarar sem problemas. Isso é o que significa ser-se mosqueteiro – respeitar os amigos, e saber portar-se com honra de acordo com as situações…se não fosse pelo Porthos, ficavas a dormir ao relento, e se morresses afogado ou atropelado, eu nem sentiria a tua falta!

    NUNCA, MAS NUNCA MAIS VOLTES A TOCAR NAS MINHAS COISAS, OU DA PRÓXIMA VEZ NÃO É A TUA MÃO QUE VAI SOFRER…” – e pegando na caixinha e no seu chapéu, Aramis dirigiu-se à porta, arremessando-a com força atrás de si, saindo para a chuva, e caminhando ainda não sabia para onde…


    *****

    A chuva caía agora com abundância, Aramis vagueava sem destino pelas ruas desertas de Paris, a água a escorrer-lhe pela cara abaixo, como é que ele podia ter feito aquilo? Porque é que aquele ser, que já fora o seu amigo de infância, pudera fazer uma coisa tão horrível? E duas vezes no mesmo dia… mas porque é que ele a queria fazer sofrer tanto? O facto de estar bêbado não desculpava tal acto… e agora era ela que estava ao relento, à chuva, e o culpado estava na sua casa… em lugar seco, a dormir provavelmente outra vez na sua cama…não, ela tinha trancado a porta… mas porque é que…

    BOING!!! - Aramis ia tão absorta nos seus pensamentos, que não reparara que tinha chegado a uma pequena clareira, perto da catedral, e que tinha esbarrado em alguém que deveria estar igualmente distraído, mas que se encontrava ali parado.

    Ao erguer os olhos, e passar com a mão na testa, ambos os indivíduos ficaram a olhar estupefactos um para o outro, e exclamaram em uníssono:

    “ATHOS?????”


    “ARAMIS????”

    Estiveram assim alguns segundos, antes de terem falado ao mesmo tempo:

    “O que é que estás aqui a fazer?”
    “O que é que estás aqui a fazer?”

    Sendo um cavalheiro, mesmo não sabendo que estava perante uma mulher, Athos deixou que Aramis falasse primeiro, embora ambos sentissem o coração a bater rapidamente no peito:

    “Eu… eu… não sei… precisava de refrescar a cabeça… aquele recruta… aquele idiota… tirou-me do sério…eu não podia ficar na minha própria casa, com um bêbado a insultar-me…” – Aramis agarrou-se à caixinha, e olhou para Athos, esperando que ele falasse.

    “Eu…eu… eu andava aqui a pensar nos meus problemas pessoais, e não conseguia dormir… fui deixar o Trovão na baia, e depois vim andar por aí…para reflectir…sobre uma viagem… mas… isso é sangue? O que se passou? Aramis?”

    “…”

    “ Aramis? O que se passou?”

    Aramis ergueu a cabeça, fitou Athos com os seus olhos azuis, e apesar de não ter dito uma palavra que fosse, e de se sentir corar, Athos percebeu a mensagem que aqueles olhos azuis lhe estavam a transmitir, e abraçou Aramis, que se deixou envolver, e começou a chorar silenciosamente. Um choro que para ela era libertador, sentia que estava a descarregar toda a mágoa que lhe ia na alma, causada por Nial – e a chuva camuflava essas lágrimas na perfeição, afinal, ela tinha aprendido a controlar-se de tal forma que passasse despercebida, entre homens…

    http://www7a.biglobe.ne.jp/~mokugyodou/cut_atho_ramy_28.jpg


    Athos, sendo pelo facto de estar ali abraçado a Aramis, ou pelo facto de que carregava consigo a angústia de ter que partir brevemente, e deixar Aramis para trás por algumas semanas, não conseguiu evitar derramar ele também duas lágrimas perdidas no meio das gotas de chuva que lhe desciam pela cara.

    Mas o que ambos sentiram claramente, e que os fez desfazer-se lentamente do abraço, foi o facto de sentirem o coração um do outro bater desenfreadamente debaixo do gibão, sem que o soubessem explicar…Aramis até sabia que isso significava que estava a sentir mais do que amizade por Athos, afinal era uma mulher… mas Athos não sabia disso…

    Foi Aramis quem falou primeiro, depois de fazer de conta que limpava a chuva da cara:

    “Athos, obrigado. Espero que não te tenhas importado…mas estava a precisar de um amigo… sem palavras nem perguntas… apenas te posso dizer que o sangue não é meu, é do Nial…perdi o controle…e ataquei-o… mas ficou bem…a ressacar…e eu vim para a rua…irónico, não??”


    Athos: “Sim, e não tens que me agradecer… eu disse há oito anos atrás que te protegeria, além disso, os amigos não precisam de pedir nada…dão…podes dormir lá em casa, a cama é grande…Vamos embora, antes que resfriemos?” – o olhar algo medroso de Aramis foi disfarçado pela chuva que ainda caía pela sua face.

    Ambos puseram os seus chapéus, e começaram a andar na direcção da casa de Athos, mas Aramis sentiu a necessidade de lhe perguntar mais sobre o que tinha dito antes de se abraçarem.

    “Athos… uma viagem? Vais deixar-nos? Era por isso que andavas tão angustiado?”


    “Sim, e não. Tenho uns assuntos pessoais para resolver, assuntos de família, e por isso tenho que viajar. Mas não, não vos ia deixar, era apenas por algum tempo, e depois voltava…não te vês livre de mim assim tão facilmente, Aramis…então o que seria feito dos “4 grandes”, se eu faltasse… não, não…” e com estas palavras, Athos deu uma leve pancada no chapéu de Aramis, fazendo a água acumulada correr-lhe pela cara abaixo, fazendo-a sorrir.

    “Não, não podia ser… embora o Porthos valha sempre a dobrar…só em tamanho e o que ele come… hahahahahahah!” – Aramis riu-se, sentia-se aliviada, agora que tinha descoberto porque é que Athos andara tão angustiado nos últimos tempos, e também porque sabia que podia sempre confiar nele…mesmo que ainda mantivesse o seu segredo, ele um dia aceitaria a verdade se ela lho contasse, ou se ele a descobrisse…

    Na casa de Athos, Aramis optou por ficar a dormir no divã, porque precisava de sentir alguma segurança em relação à sua situação… Athos ainda insistiu, afinal a cama era grande… podiam perfeitamente dormir lá os dois… mas deixou Aramis ficar no divã, oferecendo-lhe mais um cobertor, para que ficasse confortável.

    Devido ao cansaço acumulado depois de tantas emoções, e de ter tomado as devidas precauções com o seu vestuário, Aramis caiu como uma pedra no divã, e adormeceu. Um sonho acompanhava-a, tinha a haver com a cerimónia religiosa de casamento de D’Artagnan e Constance, que ocorrera algum tempo antes.

    (Flashback)

    Os convidados tiveram que se colocar “em posição” porque Constance ia atirar o bouquet: ela insistira que os 3 amigos de D’Artagnan também se pusessem na fila para onde ela ia atirar o bouquet, causando uma enorme gargalhada de Porthos (que se pôs logo em posição), um olhar embaraçado de Athos (ao estilo “Eu já sou velho demais para estas coisas…”, mas que também se pôs em posição, sorrindo), e um olhar quase que petrificado de Aramis (que D’Artagnan temia que acontecesse, mas que num segundo se transformou num sorriso, e tendo também ela assumido a sua posição). Findo isto, Constance virou-se de costas, encheu o peito de ar, contou até três, e lançou o bouquet pelo ar, que, por coincidência ou não, foi bater na cabeça de Athos, fazendo ricochete num pequeno arco, e indo parar às mãos em simultâneo de Athos e Aramis, que se encontrava ao seu lado. Seguiu-se uma enorme risada da parte de Porthos, e um entreolhar de profundo embaraço (mas ao mesmo tempo de um sentimento de calor esquisito que emanou neles nesse instante) em ambos os intervenientes, mas que depressa se contiveram, batendo palmas com a mão livre, e esboçando um ligeiro sorriso.

    Mas o que é que eu estou a sentir? Este tipo de calor apenas o sentia quando estava com François…Não pode ser, será que…não, Athos é o meu melhor amigo e colega de armas… não posso sentir isto… isto é ridículo… ele não sabe que eu sou uma mulher…e eu já não sei ser uma mulher…Mas porque me olha ele assim?”

    (fim de Flashback)

    Aramis ergueu-se de repente no divã, quase caindo no chão, com o coração a martelar no seu peito, e pequenas gotas de suor a correrem pela sua testa. Levantou-se, e em dois passos rápidos, chegou junto da mesa onde tinha colocado a pequena caixa de madeira, abriu-a, e vislumbrou o pequeno bouquet de Constance, que Athos insistira que ficasse com ela.
    Aquele sentimento quente, que lhe tinha sido extraído do peito desde a morte de François, que ela julgava já não existir, mas que continuava teimosamente a crescer dentro de si sempre que estava junto com ou perto de Athos, inundou todo o seu corpo. Sentiu-se confortada, aconchegada, voltou para o divã, e serena, adormeceu com o bouquet bem escondido entre as mãos, sorrindo.


    Por estranha coincidência, mas talvez por ter bebido bastante, e por ter aberto o seu coração a Aramis, Athos dormia um sono profundo e descansado, e, no meio de vários pensamentos soltos, viu Aramis segurar o bouquet de noiva de Constance, o que sentira naquele dia, naquele momento,

    Mas que sentimento é este? Outra vez? Que raios é isto que estou a sentir, de onde vem este calor no meu peito? Não pode ser, Aramis é um homem…é um homem e meu colega de armas…Mas porque me olha ele assim?”Mas nesse instante, a imagem mudou, a noiva era Aramis, e o noivo era ele – de um salto, Athos ergueu-se na sua cama, tentando controlar o ritmo desenfreado do seu coração, e limpando o suor que se formara na sua testa.

    Isto é absurdo…mas que tolices é que ando para aqui a sonhar? Que sentimentos são estes que não posso ter, mas que tenho e não consigo explicar? Raios, tenho que deixar de beber tanto vinho…Aramis é um homem, somos dois homens, e eu sou racional, ponto final… mas que estupidez…” – com estes pensamentos, virou-se para o outro lado, com a almofada por cima da cabeça, e tornou a adormecer.

    *****



    E pronto, aqui está o prometido capítulo VIII...mas... tem que haver um mas: a continuação vem logo de seguida, isto é, como o capítulo estava bem grandinho no seu todo, e não ia ficar isto a meio, dividi-o em dois capítulos, e o IX vem já a seguir... Espero que agrade... até já lol!
























    Última edição por degen_aramis em Seg Ago 30, 2010 8:00 pm, editado 3 vez(es)
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    Fic Coletiva: AS COISAS MUDAM Empty Re: Fic Coletiva: AS COISAS MUDAM

    Mensagem por degen_aramis Seg Ago 30, 2010 7:46 pm

    CAPÍTULO IX -
    Revelações

    Após o acto impulsivo que tomara face a Renée/Aramis, e a sua reacção furiosa, Nial continuava sem falar com Renèe (ou melhor, Renèe continuava sem falar com Nial), e o relacionamento entre ambos não melhorara, sendo sempre restrito ao mínimo; a convivência dentro da mesma casa após o regresso de Aramis (que não queria ter que dar explicações a Porthos) mantinha-se difícil. Como ela já tinha lutado muito para poder ser quem era, não era aquela presença “pestilenta” que lhe iria arruinar a vida que conseguira tão arduamente montar ao longo de 8 anos. E como tal, Aramis optara por tolerar Nial, e deixar o rumo das coisas nas mãos do destino, desde que ele não pisasse outra vez o risco. Além disso, iria lutar, iria descobrir porque é que Nial tinha vindo para ficar em Paris, quais as suas intenções, quais as suas ligações ainda existentes para com Noisy-le-Sec e os senhores D’Herblay, e com o seu passado.

    Mas talvez por causa desse passado, e do medo que sentia, Aramis começara a ter pesadelos que lhe roubavam muitas noites de sono descansado: sonhara que iria ser queimada na fogueira perante os olhares indiferentes dos seus amigos, que eram Athos e Porthos que lançavam as primeiras pedras contra o seu corpo amarrado na estaca da praça pública, que era encontrada, raptada e torturada nas mãos do Conde de quem fugira, e que os amigos a renegavam e deixavam à mercê do mesmo…e essas noites mal dormidas estavam a causar-lhe enormes traços negros debaixo dos seus olhos azul claros…que não passavam despercebidos aos seus amigos…


    Por outro lado, ninguém questionara o jovem recruta Nial acerca do seu ferimento na mão, e os treinos prosseguiram com normalidade nessa semana, tendo o Capitão optado por afastar Aramis de Nial, e atribuir-lhe dois dias de serviço de protecção pessoal à Rainha, no Palácio do Louvre, e nas escoltas necessárias às saídas que efectuava.
    Serviço de rotina, mas que Aramis gostava de fazer – era sempre outra sensação “estar entre mulheres” (apesar de elas não saberem que estavam perante uma…). Nos aposentos da Rainha, Constance estava a arrumar um vestido da mesma. A Rainha tinha saído por uns instantes para o quarto anexo, e aproveitando aquele momento em que estavam sozinhos, Constance dirigiu-se, tímida, a Aramis, sentando-se numa das cadeiras junto à cómoda.

    “Aramis, posso perguntar-te uma coisa pessoal?”

    “ Claro, Constance, o que queres saber? Não te precisas desculpar, podes falar comigo abertamente, que não digo nada ao teu marido…- e sorriu para ela.


    Aramis nem teve tempo de descalçar a luva, tão depressa Constance pegou na sua mão e colocou-a nas suas.

    “É que eu sei que conversas muito com o D’Artagnan, que és mesmo o seu melhor amigo, e que lhe salvaste a vida. Isto é o mínimo que eu te podia pedir: aceitas ser padrinho do nosso bebé?”


    O coração de Aramis parecia explodir de repente. Ser padrinho do bebé deles? Nunca tinha imaginado que Constance lhe fosse pedir tal coisa…mas…mas…a mente de Aramis começou a divagar... um fluido transparente começou a toldar-lhe a visão…lágrimas escapavam-se pela sua cara abaixo…Dar vida a uma criança era o auge de uma relação entre duas pessoas que se amavam… oh, François… François… também tinham tido esse sonho… Aramis sonhava acordada: François estava ali, dava-lhe ternamente um beijo na testa, e dizia “Renèe, meu amor, tens o direito de ser feliz, de encontrar a felicidade com outro homem. Vingaste-me, encontraste e refizeste a tua vida ao lado de grandes amigos, mas deves avançar. Quero que sejas feliz – há um homem que te pode fazer feliz, e tu sabe-lo bem lá no fundo da tua alma… tens-me para sempre aqui – e a mão dele pousou suavemente no coração dela – mas tens de me deixar ir, não podes nem deves ficar agarrada ao teu passado e a sofrer. Ordeno-te, vai procurar um novo calor que te encha novamente esse coração ferido e vazio, vai……… vai………. e sê feliz…” e com estas palavras, a imagem desvanecia-se da mente de Aramis, que sentia dois braços fortes a puxarem por ela, e a sacudiam, chamando o seu nome:


    “Aramis, então Aramis, estás bem??? Então, o que se passou?”- piscando os olhos, Aramis reparou que estava sentada no chão ao lado da cadeira onde estava Constance, e que Porthos a puxava para cima, pondo-a de pé, e fixava-a, atónito, com os seus profundos olhos castanhos.

    “Porthos??? Tu, aqui?? O que é q…? Hmmmmmmm…” –

    Aramis, tomou consciência de que perdera o equilíbrio, que estivera a chorar, e que o que tinha visto era um sonho. Vendo que Constance tinha ficado perplexa, pediu-lhe desculpas por a ter assustado, e, retomando a compostura, passou com a mão cuja luva mantivera vestida na cara, limpando-a, e, não o deixando responder, bateu nas costas de Porthos, com um sorriso:

    “Meu amigo…peço desculpa… mas é que ser padrinho duma criança é uma grande responsabilidade…não esperava este pedido… Fui mesmo apanhado de surpresa…Porthos, peço-te que não comentes isto com ninguém está bem…pela minha reputação, entendes?” Aramis sorriu piscando o olho a Porthos conseguindo desta forma evitar que Porthos falasse do sucedido a Athos e a D’Artagnan.


    Porthos:
    “ Ena, ena… isso é mesmo uma honra, Aramis… fica descansado, sou uma cova… Mas olha que se o miúdo sair ao padrinho e ao pai, vai cá ser um mosqueteirão… eheheh…E antes que me esqueça, vim chamar-te – o Capitão quer falar contigo, com urgência.”

    Constance corou, Aramis sorriu, e disse:

    “E como é que tu sabes que é um rapaz? Não faz mal, porque se for uma rapariga, eu como seu padrinho, também a vou ensinar a defender-se dos homens…para a mãe nunca ter medo pela sua menina… Constance, não te importarás, pois não?”

    E todos sorriram com esta afirmação. Aramis deu um beijinho na mão de Constance, dirigiu-se ao quarto anexo, fez uma pequena vénia, e explicou a sua saída à Rainha, enquanto que Porthos apenas pensou para consigo “O Aramis é o Aramis, mas…primeiro é derrubado pelo recruta, agora desequilibra-se porque lhe pedem para ser padrinho…alguém perceba isto…” – e encolhendo os ombros, saiu do quarto após Aramis, sorridente.

    *****


    “ QUER QUE EU FAÇA O QUÊ??? MAS… SE ALGUÉM ME RECONHECE…NÃO, NÃO ME PEÇA ISSO, CAPITÃO…” – Aramis ainda se lembrava das palavras que o Capitão lhe tinha dirigido, no terceiro dia após o serviço no Palácio, das ordens que recebera, e que estava nesse instante a cumprir, por mais que lhe custasse… (todo o vestuário havia sido organizado pelo Capitão, com a preciosa ajuda das mãos hábeis do Sr. Bonacieux, e tendo como modelo Constance – que tinha a mesma fisionomia que Aramis. Treville dera como justificação que seria uma prenda de aniversário para uma sobrinha; tinha também incumbido a sua governanta de tratar do penteado e restante aparência global de Aramis).

    Estava no Palacete de Rambouillet(1) , trajando um elegante vestido de veludo azul-escuro, bordado a fios de ouro, com um pequeno rendilhado dourado em redor do peito, e trazia os seus cabelos loiros perfeitamente apanhados numa trança que estava enrolada na nuca, deixando apenas duas madeixas longas soltas a acariciarem-lhe ambos os lados da face. Trazia ainda um colar de safiras ao pescoço, que ainda mais acentuavam a sua pele marmórea e os olhos azuis. Completava este conjunto um belíssimo leque de tecido azul-escuro, com renda dourada a condizer, que ela abanava violentamente, para arrefecer o calor que sentia.


    (1) Nota da autora: Situado junto ao Palácio Real, mandado construir em 1604 por Catherine de Vivonne, Marquesa de Rambouillet, nobre de origem italiana, trouxe para Paris a arte e cultura, que conhecera no seu país de origem; foi considerada um grande mecenas, e foi visitada, entre outros, pelo Cardeal Richilieu.


    Havia um baile em honra do aniversário da dona da casa, e Rei e Rainha estavam lá, bem como o Cardeal Richilieu, os mosqueteiros – ou melhor, os seus amigos, e quase todos os nobres da corte. Treville havia “pedido” a Aramis que assumisse o papel de Justine de Guillon, filha de um cunhado seu, mas que nunca viera à corte, para poder conhecer pessoalmente um certo Conde Armand Talmond, recém-chegado a Paris, mas do qual ninguém sabia nada. Aramis conseguira ser apresentada a diversos nobres, por intermédio da Rainha-Mãe, também presente, e estava agora a conversar com o tal Conde. Conseguira saber que ele viera para Paris para procurar um familiar, e que estaria muito agradecido pela ajuda que o Capitão e os mosqueteiros pudessem prestar nessa demanda, uma vez que pretendia colocar a sua lâmina ao serviço do Rei.

    Aramis viu-se obrigada a aceitar elogios e beijos na mão, de ser cortejada por diversos nobres, e tivera que dançar com o Conde, mas o pior não era isso – era o facto de Athos a estar a observar continuamente, com um olhar que claramente denotava paixão – mesmo ela não sabendo porquê…teria-a ele reconhecido? Depois de ter obtido informações satisfatórias, Aramis aproveitou um momento de sossego entre duas danças para se desculpar do Conde, de que precisaria de ir repousar uns instantes. Sentou-se sozinha, num dos divãs que estavam estrategicamente bem espalhados em redor do salão, e bebeu um pouco de água. Nesse momento, reparou no movimento discreto, mas seguro, que Nial fazia em sua direcção, vindo do lado esquerdo do salão de baile. O seu olhar demonstrava que pretendia falar com ela, ali, naquele lugar… pelo outro canto do olho, Aramis viu, estupefacta, que o seu amigo e colega de armas Athos se dirigia igualmente a ela vindo do lado direito do salão de baile. O olhar dele apenas denotava paixão e curiosidade ardente, e Aramis percebeu que ele não a devia ter reconhecido… Ela estava ali, encurralada dos dois lados, e previa um acontecimento catastrófico se Nial e Athos chegassem até ela ao mesmo tempo.

    “Mas o que é que eu faço agora? Não posso deixar que eles aqui cheguem, muito menos ao mesmo tempo…Nial vem de propósito, para esbarrar com Athos, mas Athos ainda não o viu…ai…o que é que eu faço…se não fosse este vestido e esta aparência, se ao menos eu estivesse aqui como Aramis…” – o pânico invadiu o seu espírito, estava com suores frios nas mãos dentro das delicadas luvas, começava a faltar-lhe o ar, o corpete ainda reforçava essa situação, sentiu os olhares dos dois homens em cima de si, já sentia a respiração deles vinda da esquerda e da direita, foi abordada por Athos, com um brevíssimo “Boa noite, Mademoiselle”, e por Nial, com um ainda mais curto “Boa noite, bela senhora”, mas antes que tivesse podido responder, uma silhueta larga, masculina, apareceu defronte dela, ergueu-lhe a mão, dando-lhe um beijo delicado na mesma, dizendo:

    “Peço desculpa, minha querida, mas tenho que te “raptar” e ir apresentar a Sua Majestade o Rei. Vamos! Não se pode fazer Sua Majestade esperar!” - incapaz de reagir, petrificada, Aramis deixou-se erguer pelo pulso firme da mão que a segurava, e como que em transe, deixou-se guiar em passadas rápidas pelo Capitão de Treville para longe dos dois mosqueteiros. Estes ficaram ali, estupefactos, a vê-la afastar-se. Nial saudou Athos, e voltou ao seu posto, Athos ficou ainda um momento a digerir o que tinha acontecido ali “ Mas de onde é que o Capitão conhece esta jovem mulher para a tratar de forma tão familiar? Tenho que lhe perguntar quando tiver oportunidade…”. No entanto, após se ter recomposto, e voltado para as suas funções, o olhar curioso e ciumento de Athos não mais se descolou de Aramis o resto da noite.


    Após este baile, a missão de Aramis continuara por mais dois dias. Aramis entrava e saia do Quartel Geral dos Mosqueteiros, fazendo o seu serviço normal nas manhãs ou tardes, intercalando com os encontros que tinha com o Conde, nos jardins do Palácio de Luxemburgo, para não dar demasiado nas vistas…e sempre por curtos períodos de tempo...
    Como se não bastasse o medo que sentira no baile, de que Athos a reconhecera, os olhares perfurantes e confundidos de Athos (que se sentira profundamente intrigado e atraído por aquela bela mulher de cabelos loiros e olhos azuis, que apenas vira naquela noite, no baile, mas por estranheza, ou coincidência, via reflectida em Aramis) seguiam Aramis por onde quer que ela passasse no Quartel…

    Nessa manhã, e como habitual, Aramis entrava ao serviço bem cedo, e viera ainda antes do seu turno começar, para poder fazer o seu relatório. Qual não foi a sua surpresa quando se cruzou com um Athos pensativo a aparelhar o seu cavalo nos estábulos.

    “Athos, tão cedo por aqui???? E com essa cara de preocupação? O que se passa?”

    Athos tardou em responder, custava-lhe cada vez mais olhar Aramis nos olhos sem sentir o coração bater mais depressa – e desde que vira aquela mulher…

    “Lembras-te da nossa conversa na noite depois do jantar em casa do D’Artagnan? Pois bem, receio que tenha chegado a hora de eu ter que ir fazer a tal viagem…vim falar hoje com o Capitão, e devo partir amanhã bem cedo, sem saber quando regressarei…Bearn ainda fica longe…”

    “Bearn? O que vais fazer em Bearn? Isso são algumas semanas de ausência…” – Aramis estava curiosa mas também sentia alguma angústia em saber que Athos iria estar longe tanto tempo.

    “Bem… é que… eu… sou de lá…a minha família é de lá… e tenho que ir resolver assuntos relacionados com isso… heranças e assim…” – Athos balbuciava as palavras, pensando em cada palavra que escolhia dizer.

    “Assuntos de família, hmmmm? Bem, todos nós temos algum dia que ir tratar de assuntos desses… ainda nos vemos mais tarde? Vens despedir-te de nós, ou não?” – Aramis sorriu, e saiu do estábulo, em direcção ao escritório do Capitão, deixando aquela pergunta no ar, sem que Athos lhe respondesse.


    No escritório de Treville…


    “Parece-me que este conde tem carta branca, Capitão… não consegui descobrir nada de negativo nem de estranho, todas as referências se confirmam, e parece-me que tem intenções sérias – tem uma boa preparação e experiência militar, e demonstrou interesse em estar ao serviço do rei… mas… outra coisa… Capitão… NÃO ME PEÇA NUNCA MAIS PARA FAZER ESTE TIPO DE MISSÃO… foi horrível… sempre com medo que eles me reconhecessem, e Nial por perto, a rondar-me…tenho que me afastar dele, Capitão… isto não está a melhorar…” – Aramis cruzara os braços, e sentara-se na cadeira defronte da mesa do escritório do Capitão, baixando a cabeça, e vertendo uma lágrima solitária.


    “Obrigado, Renèe, bem sei que terá sido difícil, mas era essencial ficarmos a saber com quem estamos a lidar…tenho as minhas razões para to ter pedido…mas está esclarecido, por agora…quanto ao Nial, bom…parece-me que tenho a solução ideal para esse problema – irás numa viagem, para longe de Paris, para acompanhares um companheiro…algumas semanas, parece-te tempo suficiente? E partirás amanhã bem cedo…” – Treville olhou com contentamento para a estupefacção de Aramis, contornou a mesa, veio ao encontro dela, limpou-lhe a lágrima com o seu lenço, e levantou-lhe suavemente o queixo.

    “Vais acompanhar Athos numa missão secreta até Bearn, onde terão que ir descobrir informações sobre um conspirador confirmado pelos meus informantes, mas sobre o qual falta sabermos detalhes… tentar fazer tudo para evitar uma guerra, foram as tuas palavras, Aramis… Além disso, desta forma poderei tentar reduzir a tua preocupação em relação ao problema “Nicholas Lepoint”, devo isso e muito mais ao teu pai” – e dizendo isto, baixou-se e deu um pequeno beijo na testa de Aramis.


    “Ehmmmm…. eu… eu… obrigado, Capitão!” – Aramis não conseguiu dizer mais do que estas duas palavras.

    “Não me agradeças, é o mínimo que posso fazer depois da missão “feminina” que te obriguei a aceitar… agora faz-me o favor e vai chamar o Athos, que já deve estar ali fora à espera, que quero pôr-vos aos dois ao corrente do que eu consegui apurar, e do que irão vocês ter que descobrir.”

    *****

    “ Sabemos que está em curso uma conspiração contra o Rei, que envolve como líder mais uma vez Sua Alteza Real, Gastão de Orleans, mas que tem certos nobres a dar-lhe apoio. Um desses nobres, que consegui confirmar, também graças a esta carta, é George de Braguellone, mas falta-nos saber como e de que modo ele está envolvido. E para isso vão até Bearn, descobrir e possivelmente desmascarar este conspirador. Irás junto com Aramis, Athos, porque vocês são os meus melhores mosqueteiros, e não te deixaria fazer esta viagem sem teres o apoio de alguém em quem podes confiar. Em relação a detalhes, apenas nós os três sabemos do verdadeiro objectivo desta missão, informarei amanhã de manhã Porthos e D’Artagnan da vossa partida, revelando apenas a parte da missão secreta – não os teus motivos pessoais. Estamos entendidos?” – Treville recebeu dois “SIM!” como resposta, e dispensou os seus dois melhores mosqueteiros, desejando-lhes boa viagem e um regresso seguro.

    Nenhum dos três reparara, no entanto, que alguém escutara a conversa muito bem dissimulado atrás da lareira do escritório, que era uma passagem secreta para casos de emergência maior.

    Os quatro amigos passaram a noite na taverna, animados e como se nada acontecesse no dia seguinte, em que dois deles iriam partir. Aramis e Athos não deixavam transparecer que iam estar fora algumas semanas, e mesmo quando Nial entrou na taverna, e pediu autorização para se juntar a eles, não lhe recusaram o lugar, apesar de Aramis sentir algum desconforto em tê-lo ali (mas isso ia deixar de ser um problema, pelo menos nas semanas que se seguiriam).

    *****


    Na manhã seguinte, mesmo antes de amanhecer, com Fléche aparelhada e carregada, Aramis saiu silenciosamente de casa, vestida à civil, seguindo as instruções de Treville, e encontrou-se com Athos na casa dele, e partiram rumo a Bearn.

    Nas duas primeiras noites, e também durante o percurso, Athos mostrava-se dividido entre a felicidade de estar a viajar com Aramis e a decepção de não poder ter ido sozinho – queria tê-lo feito, para poder afastar-se dos sentimentos que emergiam sempre que estava com Aramis… O facto de Aramis optar por pedir quartos separados, recusando freneticamente partilhar apenas um, não diminuiu a desconfiança dos seus sentimentos…


    Mas em virtude de serem companheiros que se entendiam mesmo sem palavras, e da importância que esta missão tinha para o futuro de todos eles, Athos optou por esquecer os sentimentos duvidosos, e concentrar-se na forma como diria a Aramis que era um Conde… foi na terceira noite, em que tinham optado por pernoitar ao relento, num pequeno bosque junto a um rio (que Athos conhecia como a palma da sua mão), que Athos, inspirado pelo ar descontraído de Aramis, decidiu contar-lhe o seu passado.

    Contou-lhe como tinha tido sempre tremendas discussões com o pai porque não queria sujeitar-se a um casamento forçado aos 17 anos, nem ser um menino da sociedade, contou-lhe como a mãe se limitava a cumprir o papel de condessa, e não dera nem amor nem compreensão ao filho, apenas rispidez e normativos de etiqueta e da corte.
    E como ele, certo dia, perdidamente apaixonado por uma jovem burguesa da vizinhança, após ter sido guiado por um amigo comum (que fora relatar a história ao pai de Athos), ao flagrante delito do seu melhor amigo de infância com essa jovem, reagira em cólera, e em duelo, o matara. Depois desse dia, e não conseguindo perdoar ao pai por não ter impedido tal duelo, e à mãe por não o ter apoiado, e desiludido com a vida e as mulheres, Athos deixara tudo para trás, sem sequer se despedir, apenas a indicação “Olivier de la Fère está morto e deixou de existir. Renego-vos.”

    Soubera que poucos meses depois o pai morrera, vítima de um acidente de cavalo, e que a mãe nunca o procurara. E que agora, passados treze anos, a mãe lhe enviara uma carta do leito da morte a pedir perdão por tudo o que fizera, que descobrira recentemente o seu paradeiro nos Mosqueteiros, que a herança dos la Fere estava ameaçada, porque não havia mais nenhum descendente vivo para a reclamar. E que o seu tio estava envolvido numa conspiração contra o Rei, tendo-se associado a Gastão de Orléans.

    Aramis estava surpresa com esta história, afinal apenas conhecera um Athos forte, corajoso, reservado e sábio, embora o facto de Athos saber falar Inglês e Espanhol e saber ler em Latim lhe suscitasse algumas dúvidas sobre se ele teria tido ou não uma ascendência nobre - e reconhecia o porte seguro mas elegante de Athos como sendo de um nobre… e agora tinha a confirmação de que era mesmo um Conde… e que mantivera um segredo todos aqueles anos…


    “Não me importo que sejas um Conde, para mim continuarás a ser sempre Athos, amigo e colega de armas, em quem confio a minha vida. E mesmo que não saibas o que te espera, vamos resolver isto da melhor forma, como sempre fazemos.” - e dizendo isto, Aramis retirou a sua luva, estendeu a mão delicada que até ali nunca mostrara, a Athos, e apertou-lha com determinação e força, sorrindo ao mesmo tempo.

    Nessa noite, e talvez por se sentir aliviado de ter partilhado o seu segredo, Athos dormiu profundamente relaxado, e Aramis dormiu igualmente descansada, sentindo-se feliz por saber que se decidisse contar o seu segredo a Athos, ele provavelmente o aceitaria sem rancor…


    No dia seguinte, estavam a chegar perto de Orleans, tinham parado junto a um riacho para os cavalos poderem beber, um cavaleiro solitário dirigiu-se a eles, com a mesma intenção de deixar o cavalo beber. Qual não foi o espanto do jovem rapaz ao cumprimentar os dois mosqueteiros à civil de costas para ele, em ver uma postura e fisionomia que lhe era muito familiar – aliás, era essa pessoa de quem ele tinha vindo à procura…

    “Olivier????? És mesmo tu, Olivier??? Nem acredito, estás mesmo vivo! Oh, Olivier, nem imaginas há quanto tempo te queria voltar a ver… ”

    Athos voltara-se, estranhando alguém o chamar pelo nome de nascença, que abandonara há treze anos, e fixou aquele jovem, reconhecendo-o igualmente de imediato:

    “ Raoul??? Raoul d’Auteville? Meu deus, o que faz o meu primo por aqui?” – e entregando as rédeas a Aramis, Athos dirigiu-se ao jovem e abraçou-o, dando-lhe algumas palmadas nas costas.

    Feitas as apresentações, e esclarecidos os motivos pelos quais Raoul estava a caminho de Paris para encontrar Athos, Aramis resumiu e concluiu:

    “Bom, se é esse o caso, então o melhor que temos a fazer é regressar a Paris, para podermos avisar o Capitão destes acontecimentos. E já que o Raoul tratou de tudo o que tinha a haver com a tua herança e título, e que o teu tio está nos arredores de Compiègne, é para lá que temos que ir depois de regressarmos a Paris…” - e dizendo isto, com a leveza e elegância de um gato selvagem, Aramis saltara para a sela da sua égua, seguindo-lhe o exemplo os dois homens, e partiram a toda a brida de regresso a Paris, que iria demorar pelo menos o mesmo tempo que tinham precisado para chegar até ali.


    AO MESMO TEMPO, EM PARIS…

    Treville (preocupado): “Alphonse, tens a certeza das informações que me estás a dar? Tens a confirmação deste nome, envolvido nesta conspiração?”

    Alphonse (fiel mosqueteiro ao serviço de Treville há mais de 20 anos, e igualmente seu “secretário”): “Sim, Capitão, depois de uma pesquisa exaustiva, e de ter investigado todas as pessoas que me denominastes, este é um facto irrefutável. O nome apareceu demasiadas vezes associado a actos vis, sangrentos e corruptos, que não preciso agora aqui repetir, e é Malapaise. Conde Damien de Malapaise, oriundo da vila de Noisy-le-Sec (2) .”

    Treville (franzindo o sobrolho e cruzando os braços): “ Isto está a ir para além do que esperava… temos que saber mais pormenores sobre o que este indivíduo anda a tramar, e se já está junto com George de Braguelonne. Bom, mas teremos que esperar que os meus dois melhores homens regressem da sua outra missão. Alphonse, o que me diz a tua experiência como “formador” de recrutas? Como tem sido o desenvolvimento do recruta Nicholas Lepoint?”

    Alphonse (arqueando a sobrancelha e tossindo ligeiramente): Ähhhhhhmmmmm….O jovem Lepoint… ele de facto tem evoluído bastante bem, sabe manejar a espada, combate com força e espírito, mas… nestes dias…bem como hei-de dizer… desde que Athos e Aramis saíram em missão… ele tem andado imprevisível, agressivo, provoca os colegas… tem agido como um “pombinho amuado de amores”, se me entende? Ninguém sabe porquê…E por isso não sei se está a perceber bem o nosso lema: “Um por todos e todos por um”…Nesta altura, ele está é a precisar (e a ter) supervisão apertada aqui, no quartel…”

    Treville (determinado): Bem, agradeço por seres sempre sincero comigo, Alphonse, e assim sendo, vou dar ordens nesse sentido. Eu preferiria enviar alguém que conhecesse bem o terreno (o Capitão pensara neste instante em Aramis, como reagiria ela aos factos) … mas atendendo à urgência destes factos, e como já por lá andaste, vou ter que te pedir mais uma missão…e deixo nas tuas mãos quem queres levar contigo. Escolhe dois mosqueteiros para irem contigo. É fulcral descobrirmos mais informações, partirão hoje à tarde, mas irão à civil para não levantarem quaisquer suspeitas. Vem ter comigo depois do almoço, com os teus acompanhantes. Confio em ti, Alphonse.”

    E com um aperto de mão, Treville dispensou o seu fiel mosqueteiro. Mesmo antes de sair do escritório, Treville ainda lhe dirigiu a palavra, num tom decidido, e dos seus olhos transparecia claramente a autoridade que todos naquele quartel respeitavam:

    “Ah, Alphonse… chama-me o recruta Nicholas Lepoint aqui ao meu escritório…Preciso de lhe dar uma palavrinha…”.


    (2) Nota da autora: este Conde é o noivo de cujo casamento forçado Aramis fugira oito anos antes


    *****


    TRÊS DIAS ANTES EM PARIS…

    Na tarde do dia em que Athos e Aramis partiram, num pequeno escritório escuro, apenas iluminado pela luz de duas velas tremeluzentes, algures no subterrâneo da casa do Cardeal, dois homens conversavam, cinicamente:

    Homem 1: “ As coisas estão a correr de forma excelente… nunca pensei que aquele Capitão e os seus homens fossem tão fáceis de enganar… e entretanto encontrei logo na primeira noite aquela pessoa que o meu amo me mandou vir procurar… encontrei o jovem Nicholas Lepoint, mas melhor do que isso, encontrei a jovem Renèe d’Herblay… que ele julgava morta… isto é mesmo um sucesso absoluto…”

    Homem 2: “Mas, o que ides fazer, senhor? Não podeis afirmar ainda que a encontrastes…ela desapareceu depois daquele baile, nunca mais ninguém a viu…nem ninguém sabe quem ela é… o nome e a pessoa Justine de Guillon não existem…”

    Homem 1: “Não vos preocupeis com isso, meu amigo… de espionagem e como descobrir pessoas e informações percebo eu bem… afinal, é o que tenho feito todos estes anos ao serviço do Conde de Malapaise… e agora, faço-o aqui, estando ao serviço do Cardeal, e ao mesmo tempo finjo que quero servir o Rei…. Vou “espremer” tudo o que preciso de saber do jovem Nicholas… e depois podeis dispor dele como vos apetecer, Michel! AHAHAHAHAHAH!!” Evil or Very Mad Evil or Very Mad

    Michel: “ Se assim o entenderdes, Conde Talmond, assim será feito… vou-me divertir… muito…odeio aqueles mosqueteiros!” Twisted Evil

    *****

    Também em Paris, após a partida de Athos e Aramis, um jovem Nial portava-se como um amante ciumento ao saber que Aramis partira em missão com Athos, sem sequer lhe ter dado uma explicação, sem lhe ter dito o que fosse, nem se ter despedido… como é que ela podia ter ido em missão com ELE? Athos, o garboso mosqueteiro, aquele que era considerado o maior galã de toda a Companhia – estava sozinho com ela, a sua Renèe!!

    Nial queria ir atrás deles, mas o problema é que não sabia que direcção é que tinham tomado… Por isso ficara em Paris a tentar descobrir alguma coisa através de D’Artagnan e Porthos, mas eles não se descosiam, ou porque não sabiam ou porque não queriam –

    “ Aaaaaarrrrgggghhhhhhh!!! – esta foi a reacção de Nial quando pela enésima vez Porthos lhe tinha dito que não sabia para onde tinham ido em missão os seus amigos…

    O resultado desta frustração era que Nial ia ficando cada vez mais irritado e insuportável, sempre a criar conflitos e mal-estar entre os colegas…até ao ponto de Porthos, três dias depois da partida dos amigos, lhe ter dado uns bons abanões na sala comum do edifício central da Companhia, com o comentário “ Vê lá se te acalmas, miúdo, senão tenho mesmo que te bater… até parece que és dono do Aramis…”

    E depois desta cena, Nial saiu disparado do Quartel Geral dos Mosqueteiros provocando a admiração e espanto de todos. Ao correr sem rumo e nem a tomar atenção por onde ia, numa rua transversal à casa de Aramis, Nial chocou com Jussac e alguns guardas do Cardeal. Como estava furioso, esqueceu-se quem tinha à sua frente, e quis continuar caminho sem pedir desculpas, e sendo malcriado. Ora, Jussac não acatou bem esse insulto, ficando irritado, e, aproveitando o facto de que Nial estava sozinho, os seis homens deram-lhe uma valente sova. Enquanto levava pontapés e murros por todo o corpo, Nial dizia coisas incoerentes sobre Aramis…

    “Renée, estou disposto a sacrificar-me por ti! Amo-te tanto, Renèe! Porque é que foste com o galã? Porque é que não me respeitas?”…

    Jussac não entendia o verdadeiro sentido destes “delírios”, pensava que se tratava de uma amante do jovem que o tinha deixado.
    Os guardas de Sua Eminência, ao ver que o jovem já não reagia, fartaram-se dele e afastaram-se, deixando-o caído no chão, rindo desdenhosamente.


    Entretanto Porthos aparecera e fora em seu socorro, mas como Nial não estava bem só dizia disparates…

    “ Renèe, amo-te tanto…sempre te amei, desde a nossa infância…deixei-te porque ias casar com outro… quando voltei, tinhas desaparecido…procurei-te tanto tempo…finalmente reencontro-te, passados oito anos…mas tu rejeitas-me…tratas-me como um cão…o teu coração é frio, gelado… Aramis, deixas-me morar lá em casa, e nem sequer existo para ti…eu, que faria tudo por ti…qualquer coisa…”

    Porthos estava estupefacto com aquela enxurrada de incoerências… levantou Nial, e colocou-o sobre o seu ombro, carregando-o até casa de Aramis.

    “Mas o que é que se passa? Nial tem este comportamento, e tudo por causa do Aramis... Athos também, mas esse foi por causa do vinho… será que sou eu a seguir???Não, estou a imaginar coisas…”


    No salão de convívio dos guardas do Cardeal…


    Michel: “ Então meu caro Jussac, vindes muito bem disposto hoje… a que se deve tal alegria??? Uma nova amante… ganhastes no bilhar ou nas cartas?”

    Jussac: “Nada disso, Michel, bem melhor do que isso… demos uma valente sova num mosqueteiro…AHAHAHAHAHAH, aquilo é que foi um prazer… isto só prova que quando eles estão sozinhos, não nos fazem frente…”

    Michel: “ Estais a falar a sério? Sovastes um mosqueteiro? Mas, se o Treville descobre quem foi, vai haver problemas… o Rei dá sempre razão aos seus mosqueteiros… quem foi que levou, D’Artagnan, ou o loirinho?”

    Jussac: “Nenhum desses, infelizmente… foi um dos novos recrutas, aquele Nicholas qualquer coisa… arrogante, esbarrou comigo, e nem queria pedir desculpas… e ainda nos chamou de “incompetentes” – foi o que bastou para já não se levantar sozinho… e balbuciava cada disparate… a rapariga deve-o ter mesmo deixado pendurado… uma tal de Renée…fez ela senão bem… um falhado como ele…”

    Michel (segurando Jussac pelo braço): “Jussac, dissestes Renèe? Foi esse o nome que ele disse? Contai-me exactamente o que ele disse, isto parece-me interessante…Eheheheh… - rindo-se sarcasticamente, não deixou Jussac aperceber-se de que aquelas informações eram extremamente valiosas…

    Jussac: “Sim ele disse claramente Renèe. O quanto estava disposto a sacrificar-se por ela, o quanto a amava, o quanto queria o seu respeito, e foi isso… conversas de “pombinho amuado”… Bom, vou beber uma cerveja ali com os colegas, para festejarmos esta vitória sobre os mosqueteiros. Não quereis vir connosco, Michel?”

    Michel: “Não, obrigado. Ide vós festejar, que o serviço foi vosso, e portanto o mérito também…bom proveito…” – e sorrindo maliciosamente, pensou para consigo:

    “Hmmmmmm, esta informação vai agradar imenso ao Armand…agora já sei como vamos descobrir o paradeiro da tal jovem loira que o amo dele tanto quer de volta… isto vai ser divertido…”

    AHAHAHAHAHAHAHAH! Twisted Evil Twisted Evil Twisted Evil


    ******************************************************************************************* Razz Razz Razz
    E pronto, aqui termina esta parte da trama, da minha singela autoria.... As desculpas pelo tamanho.... mas penso que a leitura se fará relativamente bem... aguardo críticas, comentarios, sugestões... E que siga a próxima autora...
    "Que a força da inspiração esteja connosco...!" Laughing

    E, pousando a pena junto ao tinteiro, Degen_Aramis fez uma vénia e saiu do fórum... lalala
    Anbel
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    Fic Coletiva: AS COISAS MUDAM Empty Re: Fic Coletiva: AS COISAS MUDAM

    Mensagem por Anbel Ter Mar 08, 2011 1:00 pm

    Capítulo X
    O adensar da intriga

    Em casa de Aramis, Porthos levou Nial para o quarto e deitou-o na cama onde podia observa-lo com tranquilidade e verificar o estado dos seus ferimentos. De facto Nial estava uma verdadeira lástima…de tal modo que Porthos nem sabia por onde começar. Existia uma necessidade urgente de limpar as feridas para evitar infecções mas para o fazer era necessário ter ligaduras e Porthos não sabia onde é que Aramis guardava essas coisas…

    Ao aperceber-se disso Porthos sentiu-se verdadeiramente frustrado com tudo aquilo que ignorava sobre o mosqueteiro louro mas aquele também não era o momento para pensar nessas coisas uma vez que Nial precisava de cuidados.
    Enquanto o jovem murmurava frases soltas e aparentemente incoerentes, Porthos lançou-se numa busca frenética á procura de materiais que pudessem ser usados para tratar os ferimentos mas parecia que não havia nada, pelo menos no andar de baixo, o que começou a irritar um já não muito paciente Porthos. A sua vontade era revirar tudo e mais alguma coisa mas também não queria fazer isso á casa do amigo…
    Será que essas coisas estariam no andar de cima? Era uma possibilidade que o inquieto mosqueteiro não podia descurar pelo que se lançou escada acima a toda a velocidade.

    Depois de revistar vários móveis sem nada encontrar apercebeu-se que estava em frente da porta do quarto de Aramis. Ele sabia que aquele era o quarto do amigo e por momentos sentiu uma certa hesitação em entrar…apesar de o conhecer há muitos anos raras tinham sido as oportunidades de franquear aquela porta uma vez que o delicado mosqueteiro era muito cioso com a sua intimidade, mas naquele momento Porthos não podia pensar nisso. Precisava de ligaduras e como não as encontrava noutro sítio decidiu procurá-las ali. Abriu a porta mas o que viu do outro lado deixou-o estupefacto pois em cima da cama encontrava-se estendido um vestido…

    Porthos esbugalhou os olhos perante tal visão não percebendo qual o verdadeiro significado daquilo…um vestido na cama de Aramis? De quem seria e como é que ali teria ido parar? Com certeza que não era do amigo pois este partira há vários dias…
    Nial teria alguma coisa a ver com aquilo uma vez que agora tinha a casa á sua completa disposição? Seria esse o motivo da sua insistência para saber quando é que os companheiros regressariam da viagem? Possivelmente era essa a resposta e a causa de tanta inquietação para Nial…
    Naquele momento Porthos lembrou-se do misterioso ferimento que Nial tivera na mão há uns tempos atrás e que nunca justificara percebendo que o jovem talvez tivesse comportamentos menos próprios em casa alheia e que provavelmente era essa a causa do mal-estar constante entre ele e Aramis…

    Porthos não podia ficar a pensar nesses pormenores uma vez que era necessário cuidar de Nial, pelo que começou a revistar os vários móveis que se encontravam no quarto de Aramis até que ao abrir uma gaveta encontrou as tão procuradas ligaduras…pelo menos eram várias tiras de tecido branco que podiam perfeitamente ser usadas para tratar dum ferido…
    Pegou nelas e dirigiu-se rapidamente para a porta não sem antes deitar um último olhar ao vestido que se encontrava impecavelmente estendido na cama…mas este seria assunto para outra altura…



    *****


    Nial encontrava-se num estado de semiconsciência em que os seus pensamentos não eram claros…pelo menos para quem não sabia o que lhe ia no coração. Mas naquele momento Porthos estava muito mais preocupado em tratar as feridas físicas do jovem em vez de se preocupar com o que atormentava a sua alma embora não pudesse deixar de ouvir todos os devaneios que provinham do seu espírito atormentado…

    “Renée… Renée… Amo-te… Desejo-te… Volta para mim… Fica comigo… Aramis… não vás com ele… Deixa-me provar que te mereço… Renée… Aramis…”

    Concentrado nas tarefas de limpeza dos golpes, Porthos não podia deixar de ouvir todas aquelas extravagâncias embora naquele momento não lhes prestasse muita atenção receando que Nial pudesse ter feridas internas ou inclusivamente alguma fractura mas a maneira como ele se remexia quase que dava a entender que os seus ferimentos não eram assim tão graves. E de facto não eram, tal como o gigantesco mosqueteiro veio a verificar quando acabou. Eram vários os golpes e os hematomas que se espalhavam pelo corpo mas nenhum deles parecia ser sério…e não era nada que uma boa noite de sono não resolvesse…

    Porthos suspirou de alívio ao ver que o seu trabalho de enfermagem chegava ao fim e até parecia que o próprio Nial também estava mais tranquilo pois parara com os delírios e até dormia repousadamente.
    Agora era necessário esperar e aguardar que Nial acordasse. Porthos tinha que regressar ao Quartel dos Mosqueteiros mas não se sentiria bem em fazê-lo deixando o impetuoso jovem sozinho. É verdade que o seu estado não lhe permitiria ir muito longe mas Porthos queria ficar tranquilo com a sua consciência…e isso sem falar da enorme curiosidade que tinha em saber quem era a tal Renée que tanto preenchia os pensamentos do jovem, assim como o vestido imaculadamente estendido na cama de Aramis…

    Mas naquele momento nada mais havia para fazer a não ser esperar…e foi isso que aconteceu durante algumas horas…

    Sentado numa cadeira Porthos esperava ansiosamente pelo despertar de Nial e pelas respostas que tanto queria…até que o tão aguardado momento chegou. Nial estremeceu e soltou um grito:

    - “Aramis” …

    Abriu os olhos e começou a observar o que o rodeava vendo um estupefacto Porthos a fixá-lo com um ar muito espantando…
    Nial corou percebendo que teria que explicar aquela sua reacção…tentou levantar-se um pouco mas as marcas do encontro que tivera com Jussac tão tardaram em manifestar-se e o jovem acabou por voltar á sua posição de deitado.

    - É lá…tem cuidado está bem? – Disse Porthos levantando-se apressadamente para aparar Nial – aqueles selvagens deram-te forte e feio. Como te sentes? Consegues sentar-te?

    Nial acenou com a cabeça dando a entender que se queria sentar mas o corpo não colaborou e ele acabou por ficar deitado esboçando um ligeiro sorriso na direcção de Porthos.

    - Então meu rapaz, estás melhor? – Continuou o improvisado enfermeiro – Consegues mexer todas as partes do corpo? Limpei as feridas e liguei algumas delas mas não me parece que tenhas alguma coisa partida. Como te sentes?

    - Estou bem… – Sussurrou Nial, envergonhado com tudo o que tinha acontecido.

    Esta era a resposta que Porthos esperava ouvir antes de continuar.

    - Fico feliz por isso – Disse antes de assumir um tom mais severo – queres então explicar-me o que se passa contigo nestes últimos dias?

    Nial desviou o olhar como se isso o pudesse ajudar a não responder a pergunta tão incómoda.

    - Então? Estou á espera das tuas justificações… - A voz de Porthos assumia um tom irritado.

    Nial não queria de modo algum entrar em explicações, dizer o que se passava na sua mente e que tanto o incomodava nos últimos tempos.

    - Não é da vossa conta… – Respondeu Nial num tom arrastado.

    - O quê? – Gritou Porthos – O que queres dizer com isso? Que não é da minha conta? Isso não é de modo algum aceitável…exijo uma resposta e é já!!!

    Perante o silêncio de Nial, Porthos exaltou-se e agarrou-o pela gola abanando-o com alguma violência.

    - Ouve lá…vais explicar-me o que se passa contigo…e vais fazê-lo a bem ou mal…entendes? Tenho estado aqui estas horas todas a tratar de ti quando devia estar a trabalhar…vou ser repreendido com toda a certeza e por isso no mínimo o que podes fazer é dar-me uma explicação…Além disso com o comportamento que tiveste hoje manchaste a reputação dos mosqueteiros pois Jussac não agrediu apenas uma pessoa…Jussac agrediu-nos a todos, mosqueteiros de Sua Majestade uma vez que quando isso aconteceu usavas a farda de recruta… e isso não pode ser tolerado…é por isso que quero ouvir as tuas explicações…duma vez por todas…

    Nial fechou os olhos como se isso lhe pudesse dar alguma tranquilidade mas sabia que o gigantesco mosqueteiro não ia deixar as coisas assim.

    - Pronto…está bem…vou explicar tudo – Murmurou ele antes de deixar escapar algumas lágrimas – estou apaixonado…

    Ao ouvir aquelas palavras Porthos sorriu antes de soltar uma estrondosa gargalhada…

    - Queres dizer que tens andado assim tão irritado por causa duma mulher? Só isso?

    Nial deitou-lhe um olhar reprovador:

    - Não é só uma mulher…ela é o amor da minha vida…é com ela que quero casar e passar o resto dos meus dias…

    - Ó…estou a ver que o assunto é serio…então o que se passa? Ela não te liga é? Alguma coisa não está bem pela maneira como tens andado nestes últimos dias…

    Nial fechou os olhos sentindo que não faltaria muito para começar a chorar…estava completamente frustrado, sem esperança e com uma enorme vontade de dar largas aos seus sentimentos mas não o poderia fazer na frente de Porthos que parecia ter algum prazer com aquela situação…
    Por seu lado Porthos percebeu que o jovem sofria seriamente e que precisava realmente de algum conforto pelo que decidiu mudar de atitude…

    - Pronto…não me queres contar essa história toda? Prometo que não vou ser inconveniente mas quem sabe não te posso ajudar nalguma coisa…sabes…eu até tenho um dom para lidar com as mulheres…e até costumo ser bastante bem sucedido…por isso se precisares de conselhos eu sou a pessoa indicada para tos dar…

    Estas palavras tiveram o condão de fazer Nial esboçar um ligeiro sorriso ao mesmo tempo que conseguia sentir uma pequena esperança de ter alguma ajuda para conquistar o coração rebelde da sua adorada Renée.

    - A sério…podeis ajudar-me?

    - Obviamente que sim…sou um verdadeiro mestre na arte do Amor…Vá, conta-me o que se passa está bem…

    Sentindo uma grande alegria na alma Nial começou a dizer que se tinha apaixonado por uma jovem da sua terra e que a amava desde sempre mas nunca lho tinha dito frontalmente. Um dia ela tinha-o surpreendido com a notícia de que estava noiva e que se iria casar em breve. Ele não aguentara tamanha novidade e optara por sair de Noisy-Le-Sec vagueando durante algumas semanas sem destino certo até ao dia em que percebera a falta que ela lhe fazia. Ele adorava-a tanto que queria estar junto dela mesmo que isso significasse ver outro homem a preencher-lhe o coração…desde que isso a fizesse feliz também seria suficiente para ele, Nial…mas o regresso a casa tinha sido extremamente frustrante uma vez que a jovem, após o assassinato do noivo, fugira sem deixar rasto… Isto acontecera há já oito longos anos…tempo suficiente para se perder a esperança mas por vezes a vida consegue ter surpresas magníficas e ele reencontrara-a em Paris ao fim de tanto tempo…mas para seu enorme desalento ela não lhe ligava nenhuma.
    Porthos ouvira atentamente todos os pormenores da história, percebendo agora as motivações de Nial.

    - Estou a ver…então essa jovem não te liga nenhuma…Não te preocupes pois com os meus conselhos tudo isso vai mudar…

    E Porthos começou a derramar uma imensa lista de sugestões sobre a arte de bem seduzir as senhoras. Nial ouvia atentamente tudo percebendo que o companheiro falava por experiência própria e quem sabe não lhe daria os conselhos necessários para conquistar um coração tão difícil como o da sua Renée…

    - É assim meu amigo…se queres que ela te preste atenção tens de a tratar como se fosse a mais especial das flores do jardim…e já agora, não te esqueças de lhe oferecer flores…elas adoram isso! Ficam todas derretidas e lamechas…

    Nial sentia-se melhor depois de ouvir todos aqueles conselhos …até parecia que as feridas já não lhe doíam tanto…mas de repente Porthos ficou muito sério:

    - Já percebi que estás apaixonado por uma rapariga, a tal Renée…mas o que é que isso tem a ver com o Aramis?

    Esta pergunta fez com que todo o ser de Nial gelasse, não sabendo como responder…Começou a balbuciar incoerências até conseguir articular uma frase:

    - P…Porque me fazeis essa pergunta?

    O olhar que Porthos lhe deitou não deixava margens para dúvidas…

    - Ora Nial…a tua obsessão em saber onde está o Aramis…o mal-estar que existe entre os dois desde o princípio…não julgues que não reparei nisso…Qual é o vosso problema?

    Silêncio foi a única coisa que Porthos obteve enquanto Nial meditava na reposta que poderia dar sem comprometer Aramis.

    - Isso…isso são problemas nossos – Disse a medo… - coisas nossas…

    - Não aceito essa explicação…mas se não queres falar tudo bem…não me vou meter nesses assuntos…mas já agora gostava de saber uma coisa…de quem é o vestido que está na cama de Aramis? E porque é que lá está?

    Esta era uma pergunta que Nial não esperava de modo algum e que o fez levantar-se apressadamente ficando sentado na cama a olhar estupefacto para Porthos.

    - Estivestes…estivestes no seu quarto? Não…não o podias ter feito…isso não… - Nial estava á beira de chorar desalmadamente, não apenas devido á dor física que sentia mas também por saber que Porthos tinha estado no quarto de Aramis e vira o que lá estava.

    - Isso…isso, são coisas minhas…o vestido é meu…

    Porthos olhou boquiaberto para Nial imaginando se o jovem teria estranhos gostos que o poderiam fazer usar…vestidos…

    - Ó Porthos… isso é para ela…para a Renée…é uma surpresa e o Aramis não tem nada a ver com isso…o vestido não é dele…ele não usa vestidos nem nunca usou…isso é para ela…uma surpresa…por favor não digas nada ao Aramis…se ele sabe que estive no quarto dele mata-me…

    Nial não conseguia esconder o desespero que o atingia naquele momento e começou a chorar escondendo o rosto nas mãos… mas se ele se sentia angustiado Porthos soltou uma sonora gargalhada antes de dar uma valente palmada nas costas de Nial…

    - Meu rapaz…não me digas que estás a usar a ausência de Aramis para fazeres coisas menos próprias no seu quarto… então é por isso que queres saber para onde ele foi e quando é que volta…Estou a compreender tudo…

    Porthos ria-se de forma estridente ao imaginar Nial a levar uma namorada de forma sorrateira lá para casa sempre com receio de ser surpreendido pela chegada de Aramis….mas de repente ficou muito sério…

    - Diz-me uma coisa…são só esses os teus problemas com o Aramis? Não há mais nada entre vós? Sei que são da mesma terra e já me apercebi que não se dão assim tão bem… Aconteceu alguma coisa no passado…ainda em Noisy-Le-Sec? A tal rapariga de que falas, a Renée não terá sido namorada do Aramis…?

    Nial corou com a inconveniência da pergunta de Porthos…isto já estava a ser demasiado para ele…estava cansado e não sabia o que fazer para se livrar daquela situação…

    Deixou-se cair na cama antes de responder…
    - Isso são coisas do passado…assuntos nossos que espero consigamos resolver um dia… para já peço-vos que não comenteis nada do que aqui dissemos com ninguém, especialmente com Aramis… não quero que ele saiba da história do vestido pois vai ficar furioso se souber que estive no seu quarto… Posso contar com a vossa discrição?

    Porthos piscou o olho em sinal de assentimento.

    - Pronto, não te preocupes…não lhe vou dizer o que aconteceu aqui…afinal de contas ele também não me conta tudo da sua vida…e quanto ao tal assunto da Renée, não te esqueças de ser simpático com ela e de lhe dares coisas bonitas…elas adoram isso…
    Penso que para já a minha missão está cumprida…se calhar queres descansar e a minha presença impede-o…

    Nial olhou timidamente para Porthos antes de fazer um ligeiro sinal de concordância. De facto estava cansado, mas pior do que isso era o desconforto que sentia com aquela conversa…

    - Pois… - Continuou Porthos – então vou andando…Vou passar pelo Quartel dos Mosqueteiros e explicar tudo o que aconteceu e dizer que talvez amanhã não estejas em condições de aparecer.

    Nial concordou. Naquele momento queria sossego e tranquilidade para poder descansar e pensar no que tinha acontecido.
    Quando Porthos saiu de casa ele sentiu um imenso alívio.



    *****


    No seu gabinete Tréville estava extremamente inquieto com as notícias que lhe tinham sido transmitidas pelo fiel Alphonse. Á ideia da guerra juntava-se agora a perspectiva duma intriga de proporções inimagináveis…
    Tréville deixou-se cair na cadeira escondendo o rosto nas mãos ao mesmo tempo que procurava encontrar uma saída para o caos que rapidamente se parecia aproximar do Reino de França…mas nada lhe ocorria…seria ainda possível evitar a desordem e a catástrofe? Ainda haveria tempo?

    As informações trazidas por Alphonse angustiavam todo o seu espírito, principalmente o último nome…Damien de Malapaise, o antigo noivo de Renée D’Herblay…

    Mas não era apenas isto que atormentava Tréville…pior…muito pior era ter que encarar o facto que George de Braguellone também estaria envolvido em qualquer conspiração.
    È que Tréville e George de Braguellone tinham assuntos não resolvidos vindos do passado, da época em que eram jovens e sonhavam com o futuro…

    No caso de Tréville isso pressupunha lembrar-se duma vida completamente diferente em que imaginara casar-se com a doce Emilie, a sua namorada de adolescência…mas tudo aquilo que sonhara tinha sido desfeito pelo aparecimento de George…

    Na época um novo século despontava mas os cenários de guerra mantinham-se com o perigo a vir da zona da Sabóia. Mais uma vez a integridade francesa estava ameaçada e por isso grupos de soldados mais ou menos improvisados preparavam-se para combater. Um desses grupos vinha de Navarra e ia percorrendo as regiões do sul engrossando as suas fileiras com jovens idealistas que sonhavam cobrir-se com honras e glórias nos cenários de guerra. Um desses grupos passou pela terra de Tréville e a maneira entusiasmante como falavam fazia com que todos quisessem ir com eles, incluindo aquele que mais tarde viria a ser Capitão dos Mosqueteiros. Tréville começou logo a imaginar o que seria a sua vida depois de se cobrir de glórias no campo de batalha mas Emilie, a sua noiva tremia só ao imaginar a partida do futuro marido. Porém o entusiasmo dele era tão grande que nada parecia conseguir demovê-lo nem mesmo a perspectiva do casamento iminente. Mas Emilie não queria casar apenas para ver o marido partir no dia seguinte sem se saber se voltaria ou não e por isso não aceitou um matrimónio nessas condições…mas isso não os impediu de ir mais longe no seu relacionamento e de consumarem o seu amor…

    Entretanto George começava a lançar o seu charme pelas raparigas da região e Emilie rapidamente se deixou emaranhar nas suas teias de sedução, caindo nos braços daquele fogoso amante que não pretendia mais nada das jovens para além dalguns momentos de tórrida paixão…infelizmente ela não conseguiu resistir aos seus olhares tentadores e aos conselhos maliciosos do ambicioso irmão que via naquele fidalgo um meio para uma vida mais desafogada.

    O momento de todas as decisões tinha sido o dia em que Tréville apanhara a sua bela noiva num relacionamento íntimo com o garboso George…foi nesse instante que ele decidiu enveredar pela carreira militar e deixar para trás os sonhos de casar e formar família…
    Apesar de terem passado mais de vinte e cinco anos desde essa ocasião, as memórias ainda doíam e Tréville sentia-se extremamente magoado sempre que pensava nisso.

    Os seus pensamentos acabaram por voltar á realidade do presente quando sentiu que batiam na porta…chegara um mensageiro real exigindo a presença de Tréville no Louvre o mais rapidamente possível…



    *****


    Quando Tréville chegou ao Louvre foi imediatamente conduzido á presença do Rei. Luís XIII encontrava-se na sala onde normalmente se reunia o Conselho de Estado. Em cima da enorme mesa rectangular estava um mapa de França com pequenas figuras de soldados e alguns barcos.
    Luís XIII andava dum lado para o outro extremamente irritado. Quando percebeu que o Capitão dos Mosqueteiros entrara, parou e olhou fixamente para ele.

    - Ah…Tréville ainda bem que estais aqui…vede isto – E com um gesto apontou para a mesa – o que vos parece?
    Tréville olhou na direcção apontada pelo soberano percebendo rapidamente que se tratava dum cenário de guerra.

    - Vá, respondei-me…não sois o chefe dos meus mosqueteiros? Sois um soldado experiente. Por certo que sabeis o que é isto…

    Tréville percebeu que tinha que manter a calma para melhor poder lidar com a situação…aquele mapa era nitidamente uma estratégia de guerra.
    Perante a demora da resposta o Rei continuou.

    - Este é o caminho para resolvermos duma vez por todas o problema destes rebeldes que ameaçam a paz e a estabilidade do meu Reino…estou farto de todas estas provocações que duram há demasiado tempo e está na altura de lidar com isto duma maneira definitiva.

    Ao ouvir estas palavras Tréville sentiu um enorme arrepio percebendo pelas palavras e pelo tom usados que desta vez Luís XIII não pretendia recuar nas suas intenções. Olhando fixamente para o mapa Tréville compreendeu uma funesta realidade…uma frota de navios, possivelmente inimiga dirigia-se para França. Esbugalhando os olhos Tréville perguntou:

    - Senhor, aquilo são navios?

    - Sim – Respondeu o Rei um pouco mais calmo – são navios ingleses que zarparam há uns dias de Inglaterra…dirigem-se a La Rochelle com o objectivo de apoiarem a revolta dos protestantes…

    Tréville sentiu-se gelado com o que ouvia…até então desejava que fosse possível evitar o confronto mas se navios de guerra se dirigiam para as costas francesas essa possibilidade era praticamente impraticável mas talvez não impossível…talvez ainda se pudesse tentar alguma coisa antes que fosse tarde demais…

    - Majestade…essa informação é de confiança? É certo que essa frota vem a caminho?

    Luís XIII olhou estupefacto como se não acreditasse no que ouvia.

    - Esta informação foi trazida e confirmada pelos melhores espiões que estão ao serviço da França e eu não duvido dela…Além disso os protestantes têm sido um entrave e um obstáculo ao nosso desenvolvimento como Reino pois são uma das causas da nossa divisão. Eu pretendo ser Rei duma França unida debaixo da vontade do seu soberano, um único poder político e uma única religião. Só assim é que podemos pensar em ocupar o lugar que nos pertence por direito neste Mundo…e desta vez não vou perder a oportunidade de resolver este assunto… definitivamente…

    Tréville mordeu os lábios ao sentir o quão decidido estava Luís XIII mas talvez ainda fosse possível fazer algo para evitar o conflito…talvez fosse possível negociar para evitar a guerra…pelo menos valia a pena tentar…

    - Senhor, se me permitis…gostaria de sugerir…não sei…mas talvez ainda seja possível tentar chegar a um acordo…

    - Ainda estais com a mania de que é possível negociar com eles? – Luís XIII interrompia o fiel Capitão – É engraçado mas o Cardeal avisou-me que seria este o vosso posicionamento…

    Tréville suspirou ao perceber o quão difícil seria convencer o Rei a aceitar a possibilidade de enviar mensageiros para tentarem resolver o conflito através duma forma que não envolvesse o uso de armas.

    - Tréville, eu sei que preferíeis resolver isto doutra forma mas isso não será possível especialmente quando há planos para declarar a independência de La Rochelle. Não há possibilidades de condescender…eles são rebeldes e é assim que serão tratados…até se subjugarem á autoridade real representada por mim…entendeis?

    Luís XIII aproximara-se demasiado de Tréville e olhava-o fixamente como se procurasse ler o seu interior…era difícil mas ele gostava de conseguir encontrar as palavras certas que fizessem com que o monarca pensasse em dar uma hipótese á paz.

    Parecia que o Rei conseguia prever isso pois olhou para Tréville com olhos de águia antes de continuar:

    - Capitão, não é de ânimo leve que tomo esta decisão mas sim com o coração cheio de angústia e de pesar. Isto tem de ser feito porque tem de ser feito. É o próprio futuro da França que está em risco. Se La Rochelle declara a independência e com isso levar atrás todas as regiões protestantes francesas é a própria integridade física do Reino que fica em causa e é algo que não posso permitir como Rei. E como reagirão os franceses católicos ao verem como os seus compatriotas protestantes dão cabo da Nação? É a guerra…sempre a guerra…

    - Sim, senhor, compreendo o vosso ponto de vista mas a verdade é que ainda não chegámos a essa situação. La Rochelle não declarou a independência o que significa que ainda há tempo para se chegar a um acordo…

    Luís XIII olhou para Tréville pesarosamente:
    - Um acordo? E desta vez o que é que lhes ofereço? O resto do Reino? Não…agora não haverá negociações a não ser as de rendição deles…

    Tréville preparava-se para argumentar quando se sentiu a porta a abrir e entrou um pajem anunciando a chegada do Cardeal Richelieu. Este entrou com um ar muito sério perscrutando o ambiente temendo que Tréville pudesse de alguma forma ter convencido o Rei a mudar os seus pensamentos.

    - Ah…Eminência…Ainda bem que vos pudestes juntar a nós…estava a falar com o Capitão de Tréville sobre os problemas de La Rochelle. Tréville é da opinião que devemos dar uma possibilidade às negociações…

    Richelieu saudou o Rei antes de responder:

    - Majestade…já tentámos tudo isso mas nada conseguimos…os protestantes não pretendem ser razoáveis o que significa que nada podemos conseguir através de conversas…talvez esteja aqui em causa uma outra situação…como já chegámos a falar…

    Neste momento Richelieu parou e fixou Tréville de forma tão intensa que o próprio Capitão se sentiu incomodado.

    - Majestade…é provável que o senhor Capitão de Tréville já não esteja á altura de desempenhar o seu cargo…talvez seja este o momento de se tratar da sua reforma e quem sabe, da sua substituição por outra pessoa mais predisposta para lidar com o grande desafio que o futuro nos reserva.

    Tréville sentiu-se explodir ao ouvir aquelas palavras. Finalmente percebia o que é que Richelieu andava a tramar. Luís XIII olhou para o seu Capitão interrogativamente.

    - Se…senhor…não podeis acreditar em tal coisa…eu…eu… - Tréville procurava responder de forma contida mas sentia grande dificuldade para controlar toda a raiva que sentia dentro de si.

    - Tréville – Disse o Rei – Posso compreender se vos quiserdes retirar do comando dos Mosqueteiros…afinal já me servis há muito tempo…e antes de mim, foste fiel servidor do meu pai…Compreendo que a guerra vos sature e se vos quiserdes retirar podeis faze-lo com toda a honra, acreditai. Receberíeis uma boa recompensa por todos os serviços prestados á Coroa, uma excelente pensão e quem sabe um título de nobreza…

    O velho Capitão percebia o que se passava mas não podia permitir tal situação uma vez que não fazia parte do seu temperamento fugir nos momentos de crise.

    - Senhor, apesar de extremamente sensibilizado não poderei aceitar a vossa generosa oferta…

    Richelieu percebeu que aquele era o momento de insistir.

    - Capitão de Tréville, se não vos sentis capacitado para exercer o vosso cargo ou se estais farto de guerras, este é o momento adequado para vos retirardes do serviço.

    Tréville sorriu maliciosamente.

    - Eminência…se a França vai entrar em guerra deverei manter-me no meu posto e ajudar no que for preciso. O facto de defender a paz não significa que não me sinta capaz de exercer as minhas funções…antes pelo contrário. Defendo a paz e as soluções pacíficas precisamente porque já participei em muitos conflitos e vi muita morte e destruição. Compreendo que um homem da Igreja não tenha plena consciência do que é estar num campo de batalha mas infelizmente eu conheço perfeitamente a situação e é por isso que não desejo ver a França mergulhar numa outra guerra de efeitos imprevisíveis.

    Agora era o Cardeal que se sentia incomodado com aquelas palavras, principalmente ao ver o efeito que tinham no Rei.

    - Muito bem, Tréville…significa isto que posso contar convosco? – Perguntou Luís XIII esboçando um sorriso de satisfação.

    - Sempre, Majestade…sempre - Tréville respondeu fazendo uma ligeira vénia.

    Richelieu mordia os lábios e apertava as mãos sentindo uma fúria crescente por ver que ainda não se conseguia livrar de Tréville.

    - Tréville…tal como vós também não desejo a guerra mas como Rei não posso permitir que os meus súbditos conspirem contra o Reino.

    - Percebo Majestade mas só gostava que ainda houvesse outra alternativa…só isso… - Tréville suspirou ao ver que as hipóteses de paz se afastavam cada vez mais.

    Richelieu acalmou-se e avançou.

    - Majestade…se me for permitido…temos que pensar seriamente na estratégia que vamos usar pois a guerra é a nossa única opção de resolvermos definitivamente esse problema…
    Temos que actuar decididamente e em força, especialmente se Carlos I de Inglaterra apoiar os revoltosos.
    Tal como ordenado por vós, as forças reais começam a ser preparadas para o cenário de guerra…Os meus guardas também se treinam para servir no que for preciso…Resta-nos saber se os mosqueteiros estarão prontos para desempenharem as suas funções…

    Tréville surpreendeu-se com o teor daquelas palavras não percebendo completamente o seu significado.

    - Os mosqueteiros estão sempre prontos para servirem o seu Rei e o seu país…ordenai senhor e eles cumprirão as vossas ordens sem pestanejar.

    - Obrigado Tréville – Respondeu o Rei antes de se dirigir para junto da janela onde ficou ligeiramente pensativo – desta vez e dada a gravidade da situação penso que o melhor será participar directamente nas operações de guerra e para isso conto com a escolta pessoal dos mosqueteiros. Os vossos homens estão preparados para o que se espera deles?

    - Sempre…Majestade… - Redarguiu Tréville.

    - Muito bem…isso agrada-me…tendo em conta que podemos ter que partir em qualquer momento quero que a Companhia de Mosqueteiros esteja sempre em estado de prontidão, o que significa que a partir de agora não haverá licenças nem dispensas de nenhum tipo, excepto em situações de extrema gravidade e somente autorizadas por mim…percebeis senhor?

    - Completamente Majestade – Mais uma vez Tréville inclinava-se perante o seu soberano.

    - Quero que todas as forças militares do Reino treinem afincadamente para a batalha, o que significa que a partir de agora a prática de exercícios bélicos será uma constante…Alguma dúvida senhor?

    - Não.

    - E vós Iminência…tendes mais alguma coisa a dizer ao Capitão dos meus Mosqueteiros?

    - Não…se Tréville não tem dúvidas de nenhum tipo eu também não tenho mais nada a dizer-lhe.

    Posto isto Luís XIII fez sinal a Tréville para que se retirasse. O que ainda tinha para conversar com Richelieu não exigia a presença do Capitão dos Mosqueteiros…antes pelo contrário.

    Tréville saiu da sala pensando na forma como poderia contornar a proibição do Rei em relação às licenças e às dispensas. Se a maior preocupação do soberano era a guerra com os protestantes, Tréville temia que se estivesse a desenrolar alguma conspiração na sombra aproveitando a instabilidade que se aproximava, mas nesse momento era necessário adiar por algum tempo os planos discutidos antes com Alphonse.



    *****


    O Cardeal ainda ficou algum tempo a falar com Luís XIII antes de se retirar também.
    Percorreu calmamente alguns dos corredores do Louvre antes de se dirigir aos jardins onde se encontrou com Michel, um dos seus mais fieis servidores que se inclinou ao ver aproximar-se sua Iminência.

    - Michel, ainda bem que estás aqui…está na altura de pormos em prática o que combinámos agora que falhou o plano de afastarmos Tréville de forma pacífica.

    O semblante de Michel crispou-se com uma mal contida raiva…odiava Tréville com todas as suas forças e estava sempre pronto a fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para o prejudicar.

    - Pois é – continuou Richelieu – não consegui fazer com que o Rei o afastasse de forma pacífica. Apesar das generosas ofertas duma boa pensão e dum título de nobreza, a verdade é que ele recusou tudo porque “é seu dever servir o Rei”…

    Um tenebroso sorriso começou a esboçar-se nos lábios de Michel:

    - Quereis tratar do assunto duma forma mais…definitiva?

    Richelieu esbugalhou os olhos ao perceber o verdadeiro sentido daquelas palavras.

    - Apesar de não me importar nada de tratar do assunto duma forma…”mais definitiva” como dizeis, a verdade é que Tréville pode ser uma peça valiosa especialmente num cenário de guerra. Não desejo a sua morte mas apenas o seu afastamento como Capitão dos Mosqueteiros. Se isso acontecesse seria mais fácil colocar uma pessoa da minha inteira confiança a liderar esse grupo de homens tão impetuosos e fieis…não…o caminho será outro…e não passará por mortes…pelo menos neste momento pois nesta altura todas as peças serão valiosas na guerra que se aproxima.
    Não, Michel, nesta altura o que vamos pôr em prática é o outro plano, o da destabilização da Companhia dos Mosqueteiros. Estive mesmo agora a falar com o Rei e dei-lhe conta de algumas dificuldades que os meus guardas encontram para se equiparem da melhor maneira para participarem num conflito armado…é que os mosqueteiros receberam há tão pouco tempo mosquetes e novas espadas enquanto os desgraçados dos meus homens ainda têm que lidar com as velhas carabinas tão desactualizadas, já para não falar das pobres espadas todas cheias de ferrugem…ou quase… Sua Majestade foi sensível ao meu pedido e autorizou a concessão duma verba adicional para que os meus homens possam comprar novos equipamentos. Além disso também será possível aumentar ligeiramente o seu soldo, o que significa que a partir de amanhã quem estiver a servir-me ganhará ligeiramente mais do que estando ao serviço do Rei nos Mosqueteiros…
    O que te parece que isto fará ao moral dos homens de Tréville?

    Michel sorriu sarcasticamente.

    - De facto senhor, o vosso plano é simplesmente delicioso. O que quereis que faça?

    - Muito bem – Disse Richelieu – Está tarde pretendo juntar todos os homens no Quartel Geral para lhes ser comunicada a boa nova. Imagino que depois disso quererão comemorar á boa velha maneira dos soldados, ou seja, nas tabernas, um sítio muito interessante para encontrar os nossos grandes amigos mosqueteiros. O que imaginas que acontecerá quando o vinho começar a fazer efeito? A tua missão Michel, é fazer tudo para que os ânimos se exaltem o máximo possível para que amanhã as notícias que chegarão aos ouvidos do Rei o façam começar o dia de muito mau humor, percebes?

    Michel anuiu com a cabeça antes de se despedir do Cardeal para colocar em prática as últimas instruções recebidas.



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      Data/hora atual: Qui Abr 18, 2024 11:53 pm