Aramis sentiu uma profunda irritação ao ouvir Nial a falar daquela maneira. Como é que ele se atrevia a entrar na sua vida oito anos depois e fazia todas aquelas exigências? Como é que ele era capaz de tanta insolência depois de ter saído de Noisy-Le-Sec sem sequer se despedir?
Escutar Nial naquele tom exasperava-a completamente. No fundo ela sabia que mais cedo ou mais tarde aquele momento chegaria pois o antigo moço de recados conhecera-a durante anos e era muito provável que não tivesse grandes dificuldades em perceber que era ela…mesmo com trajes masculinos…
A jovem só precisou dum momento para se recompor, decidida a não se deixar intimidar por ninguém…
Virou-se e fitou Nial, olhos nos olhos, mas com um olhar tão gélido e tão intenso que desta vez foi ele quem não conseguiu deixar de sentir um arrepio a percorrer-lhe todo o corpo. Seria possível que Aramis e Renée fossem a mesma pessoa? Apesar da incerteza ecoar na sua mente, Nial nem teve tempo para se debruçar sobre essa questão pois se alguma dúvida houvesse esta seria rapidamente dissipada.
- Muito bem…quereis falar? Pois esta é a vossa oportunidade…Que tendes para me dizer? - Aramis proferia estas palavras sem recorrer ao tom masculino que normalmente imprimia á sua voz.
- Renée…és mesmo tu… - Disse Nial numa entoação que oscilava entre o espantado e o confuso. – És mesmo tu…
- Bem…pensava que já tínhamos ultrapassado essa fase – Continuou ela, aborrecida e cruzando os braços – Já sabes quem sou mas se tiveres alguma dúvida terei todo o prazer em esclarece-la…O meu nome, o meu verdadeiro nome é Renée D’Herblay…Isto satisfaz-vos?
Nial sentiu um enorme calafrio incapaz de articular qualquer som como resposta… esperava confrontar Aramis mas não previra encontrar alguém tão decidido e determinado á sua frente. Nial acreditara que Renée optaria por assumir uma posição defensiva de negação das evidências mas não era isso que estava a acontecer para desespero do jovem que hesitava sobre a reacção que deveria ter perante uma postura tão agressiva…
- Então não dizes nada?…O gato comeu-te a língua?…Parece que sim… Estavas tão decidido mas…afinal é só fumo?… – Prosseguia Aramis.
Nial não sabia como lidar com uma Renée tão aguerrida mas sentia que o tempo funcionava contra ele e que naquele momento precisava de mostrar um pouco da sua força e determinação pois caso contrário correria o risco de perder a oportunidade de demonstrar á jovem donzela o que realmente queria, aquilo que desde sempre estava entranhado na sua alma.
- Não… - Balbuciou Nial – Deixa-me falar…Por favor…Deixa-me falar…Então és mesmo tu? Não o negas? És mesmo a minha Ren…quer dizer…a protegida dos meus senhores?…É uma grande felicidade estar finalmente perante vós…
Ao dizer estas palavras, Nial sentia os olhos encherem-se de lágrimas tal era a emoção que experimentava naquele momento…mas também não queria que esses sentimentos fossem visíveis no exterior… Por isso optou por desviar o olhar e fitar a parede…
Apesar da sua atitude um pouco hostil, Aramis não pôde deixar de sentir a comoção que invadia Nial e lentamente começou a baixar a couraça que erguera ao princípio mas mantendo sempre uma atitude defensiva.
- Mas afinal o que é que se passa contigo?…Sentes-te bem? – Questionava Aramis sem perceber aquela mudança de atitude de Nial.
Naquele momento, Nial não conseguia transformar em palavras o que lhe ia na alma invadido por uma emoção demasiado forte.
Oito longos anos tinham passado…e finalmente a sua demanda chegava ao fim. Renée estava ali, a alguns escassos centímetros mas ao mesmo tempo parecia estar tão longe. Apesar de ter idealizado e sonhado várias vezes com o reencontro entre os dois, nada se concretizava como Nial imaginara.
Por seu lado, Aramis continuava também sem saber como devia lidar com aquela situação. Nial estava á sua frente mas ainda seria o rapazinho terno e engraçado que partilhara com ela a infância ou ter-se-ia transformado num perfeito desconhecido que procuraria tirar proveito do segredo que ela tão habilmente guardava há tanto tempo?
Nial continuava em silêncio tentando controlar as emoções…os olhos claros oscilavam entre as paredes e Aramis, indecisos sobre o que deveriam fazer a seguir.
Não deveria ter passado muito tempo desde que Aramis fizera a sua pergunta mas a resposta tardava em chegar…Nial estava envolto num emaranhado de indecisão e vergonha que o impedia de pensar mas aquele silêncio tormentoso começou a inquietar Aramis. Olhando para Nial percebia-se que o jovem não nadava em dinheiro e o facto de Porthos ter aparecido ali á porta com ele também demonstrava que a sua situação financeira não seria das melhores. Seria isso que ele pretendia? Dinheiro? Seria esse o seu desejo, a sua vontade mas talvez ainda não se sentisse suficientemente confortável para o expressar verbalmente. Pensando que era isto que atormentava Nial, Aramis decidiu poupar-lhe trabalho. Afastou-se, saindo da divisão em que se encontravam. Voltou, passados alguns instantes com uma pequena bolsa na mão.
- Bem…não sei o que pretendes mas se é dinheiro que queres, posso dar-te todas as minhas economias…Possivelmente esperavas mais mas neste momento não tenho acesso á fortuna dos Herblay e por isso não posso providenciar mais…mas já é uma boa quantia…
Dizendo isto, Aramis agarrou a mão de Nial e entregou-lhe a bolsa.
Ao sentir o toque da jovem Nial estremeceu e pareceu despertar da letargia em que se encontrara até então. Ao ver aquela bolsa a ser depositada na sua mão experimentou um sentimento de repulsa. Como é que ela podia pensar que ele estava ali pelo dinheiro? Como é que ela o podia ter em tão baixa consideração? Seriam estas as memórias que Renée tinha dele? Um indivíduo interesseiro e sem qualquer préstimo que se contentava com meia dúzia de moedas?
Não…não…Ele não iria suportar semelhante humilhação…
- Mas que estás a fazer? – Balbuciou ele – Eu não quero o teu dinheiro. Não estou aqui por isso.
Ao dizer estas palavras Nial agarrou a bolsa e devolveu-a. De seguida envolveu as mãos de Aramis com as suas próprias e fixou-a nos olhos.
- Não é isto que quero de ti… - a voz de Nial perdia-se num tremendo sussurro. Os olhos cinza esverdeados procuravam transmitir uma força que os lábios não conseguiam pronunciar. – O que eu quero é estar ao teu lado…assim…
Aramis esbugalhou os olhos não conseguindo perceber o alcance total daquelas palavras. Será que ele pretendia aproveitar-se do facto dela ser mulher para ganhar alguma coisa? Pensaria ainda que ela era a rapariguinha frágil de Noisy-Le-Sec incapaz de se defender num mundo dominado pelos homens? Não, as coisas eram diferentes e ela não pretendia subjugar-se a ninguém, muito menos a uma pessoa que naquele momento não lhe transmitia nenhuma confiança. Bruscamente ela retirou as suas mãos provocando uma reacção de estupefacção em Nial.
- Não consigo perceber o que queres, afinal, mas não sei se será boa ideia estares aqui…na minha casa. Preferia que procurasses um outro alojamento…um outro sítio para ficar…Acho que seria bom para os dois…Nicholas…
Nial sentiu um arrepio a percorrer-lhe o corpo. Nicholas…ela tratava-o por Nicholas e não por Nial, como costumava fazer. Nial percebia que isto era uma maneira dela se distanciar daquilo que tinham tido em comum em Noisy-Le-Sec. Começava a entender que a tarefa a que se propusera não seria facilmente realizada pois em oito anos as coisas tinham mudado muito. Renée estava diferente e no fundo ele também não sabia como se devia comportar perante uma situação que nunca lhe passara pela mente. Talvez a sugestão que ela lhe dava fosse a melhor, pelo menos naquele momento.
- Sim…acho que tens razão…Parece que não faz muito sentido ficar num sítio onde não sou minimamente desejado…Se é essa a tua vontade então sairei…não sei para onde mas alguma coisa hei-de arranjar…é claro que terei que agradecer ao senhor Porthos a amabilidade que teve para comigo ao providenciar-me este alojamento…
Porthos…Aramis tinha-se esquecido completamente deste factor…Como é que iria explicar ao amigo que Nial já não era seu hóspede? Pô-lo fora de casa sem qualquer tipo de justificação só iria levantar suspeitas e naquele momento ela não tinha vontade de dar explicações ou detalhes sobre o seu relacionamento com Nial.
- Espera… - interrompeu ela – Podes sempre ficar com este dinheiro…para arranjardes um alojamento.
Ao dizer estas palavras, Aramis estendia a bolsa que anteriormente oferecera a Nial. Tinha esperança que desta vez ele estivesse mais receptivo e aceitasse a sua oferta.
- Não…já vos disse…senhora…que não quero o vosso dinheiro…
- Mas podeis considerá-lo um empréstimo. Agora que estais nos Mosqueteiros ides receber dinheiro e nessa altura podeis pagar-me. – Insistia ela.
- Nunca… - respondeu ele em tom altivo, cruzando os braços e fixando o olhar na parede – Não quero o vosso dinheiro nem que seja emprestado…Prefiro voltar para debaixo da ponte a aceitar essa vossa oferta.
Aramis começava a perder a paciência com aquela obstinação por parte de Nial. Se ele aceitasse sairia da sua casa e ela recuperaria a privacidade perdida ao mesmo tempo que teria uma desculpa razoável para apresentar aos amigos…mas com aquela recusa, as coisas seriam muito difíceis…
- Arre… que és mesmo teimoso…Não te estou a dar este dinheiro mas sim a emprestá-lo…
Quando receberes o primeiro pagamento saldaremos as nossas dívidas.
- Já disse que não quero… e vou pedir-vos para não insistirdes nesse assunto. Não ficarei onde não sou desejado e nem quero o vosso dinheiro. Por favor deixai-me ir buscar as minhas coisas para não vos incomodar mais.
Depois de dizer estas palavras Nial dispunha-se a ir para o quarto onde passara a noite anterior para juntar os seus poucos haveres…
- Não…esperai… - interrompeu Aramis numa voz que oscilava entre a súplica e o medo – Não podeis sair assim sem mais nem menos. Que ireis dizer aos outros…ao Porthos…
A voz da jovem tremia e ela não conseguia terminar de dizer o que queria… Ao aperceber-se dessa situação Nial parou e olhou para ela. De certa forma arrependia-se de ser a origem de todo aquele mal-estar e não queria de modo algum provocar sofrimento em alguém que tanto adorava.
- Muito bem…então o que propões?
Aramis reflectiu antes de continuar…
- Talvez seja melhor ficares enquanto não arranjarmos outra solução…
Aquela ideia não desagradava a Nial…antes pelo contrário e aquele era o momento ideal para fazer valer a sua posição.
- Tendes a certeza do que me estais a propor? É que não me quero impor nem ser um estorvo na vossa vida… - Nial procurava ocultar a profunda alegria que sentia naquele momento.
Se por seu lado Nial se sentia feliz, Aramis experimentava uma grande angústia e desalento pois não sabia como se libertar de uma situação tão incómoda.
- Ficai…peço-vos – a voz de Aramis não era mais que um sussurro.
- Enfim… se insistis tanto – continuava um rejubilante Nial.
O tom alegre e jovial usado por Nial não escapou a Aramis que entendeu que aquela era a altura para determinar as regras que seriam usadas no relacionamento entre eles.
- Sim…insisto mas tendes que perceber que esta é apenas uma situação provisória…enquanto não arranjardes os vossos próprios meios de sustento. Nessa altura devereis providenciar um outro sítio para ficar. Até lá partilhareis da minha hospitalidade mas tereis que seguir as minhas regras…percebido?
Nial sorriu enquanto acenava com a cabeça pois aquela era a melhor proposta que poderia receber naquelas circunstâncias.
- Por favor, procurai limitar-vos á parte de baixo da casa…gosto de ter um pouco de privacidade…Penso que percebeis porquê… É tarde e acho que já não temos mais nada para dizer entre nós…
Aramis proferiu estas palavras num tom soturno mas decidido. Tinha que permitir a estadia de Nial na sua casa mas pretendia estabelecer as normas que regulariam essa situação e deveria fazê-lo logo de início…
- Tendes alguma dúvida? Precisais de alguma coisa?
Nial respondeu com um ligeiro abanar de cabeça.
- Então se não é preciso mais nada retiro-me. Boa noite.
Aramis dirigiu-se para as escadas deixando Nial sozinho na sala. Ele seguiu-a com o olhar até a perder por completo de vista. O seu coração exultava de alegria e felicidade pois a conversa que tinham tido dava-lhe, de certo modo, esperança de que as coisas poderiam melhorar no futuro. Era preciso ser paciente e confiar na sorte porque tudo se iria resolver.
Animado com estas expectativas Nial dirigiu-se para o quarto preparando-se para ir dormir.
*****
Aramis subiu os degraus tentando esconder a ansiedade e a angústia que se apoderavam dela naquele momento. Ao entrar no quarto fechou rapidamente a porta como se este simples acto fosse suficiente para criar uma barreira entre ela e o resto da casa. Ao ver-se na tranquilidade e aconchego daquela divisão ela não conseguiu reprimir por mais tempo o tormento que lhe ia na alma e acabou por dar largas às suas emoções. As lágrimas irromperam nos seus delicados olhos azuis e começaram a descer abundantemente pelo rosto. Sentia-se completamente amargurada e não sabia até que ponto é que conseguiria aguentar aquela situação… a presença de Nial na sua vida…na sua casa… era uma espécie de espada que balançava por cima da sua cabeça ameaçando cair a qualquer momento…
Como é que seria possível viver naquela incerteza? Nial sabia o seu segredo e podia revelá-lo a qualquer instante, de forma fortuita ou deliberadamente…Nial sabia o seu segredo e podia revelá-lo a alguém que pagaria muito bem por essa informação…o Conde…
Não… ela não podia viver assim…tinha que fazer alguma coisa … procurar uma solução … encontrar uma escapatória para mais esta partida que o Destino lhe queria pregar.
Lentamente dirigiu-se para a cama onde se deixou cair. Sentia-se sufocar mas precisava de arranjar uma maneira de escapar àquele imbróglio que de um momento para o outro tomara conta da sua vida.
Lembrou-se que há oito anos atrás passara por uma situação semelhante. Também naquela época lhe parecera que não havia maneira de escapar ao Destino mas então uma saída aparecera e ela tinha-a seguido. Com certeza que a situação se repetiria…uma solução surgiria… só era preciso ter calma e um pouco de paciência, algo que naquele momento parecia ser muito difícil de conseguir pois a presença de Nial e a troca de palavras que tinham tido também reavivara memórias há muito esquecidas no fundo da sua consciência. Aramis lembrou-se de François, dos bons momentos que tinham passado juntos, dos sonhos e projectos que tinham para o futuro. Lembrou-se dos seus tutores, os senhores Herblay, sempre carinhosos e preocupados com ela…
Por fim chegaram as recordações do Conde, um amigo de infância de François que parecia ser boa pessoa mas que acabara por revelar ser um indivíduo perverso e desumano que não hesitava em recorrer aos mais pérfidos meios para obter os seus intentos. A gota de água que levara Renée a fugir de Noisy-Le-Sec e a adoptar uma nova identidade tinha sido a sua ameaça de deitar fogo á mansão Herblay com todos os ocupantes lá dentro se ela não aceitasse casar com ele. E se mesmo assim isso não fosse suficiente para a fazer mudar de ideias ele ainda tinha um outro trunfo que pretendia usar: afirmar que a sua saúde mental tinha sido afectada pelos acontecimentos na residência de François e que não seria seguro deixá-la livre pois poderia ser uma ameaça não só para ela mas também para os outros… Perante um cenário tão funesto só lhe restou uma opção…fugir, não só por ela mas principalmente por todos aqueles que podiam sofrer às mãos do tresloucado Conde…
Renée fugira para Paris e adoptara uma nova identidade esperando assim cortar as ligações com aquele passado que tanta dor e sofrimento lhe provocara. Sim…fugira de tudo o que lhe era familiar…de tudo o que lhe era querido…
Fugir… tinha sido a solução há oito anos atrás… Será que podia voltar a ser a forma de resolver o desassossego provocado pela chegada de Nial?
Aramis levantou-se abruptamente ficando sentada na cama com o coração a bater apressadamente…seria essa a resposta a este seu problema?
Lembrou-se que quando chegara a Paris as suas ideias não estavam completamente definidas. Ela pretendia criar uma nova identidade mas no seu caso não se tratava apenas de mudar de nome. Ela pretendia também mudar de natureza…deixar de ser mulher para passar a ser homem…Na altura não sabia se conseguiria ter sucesso neste seu projecto pois até então nunca sonhara com semelhante coisa mas dadas as circunstâncias em que se encontrava, aquela parecia ser a única solução a adoptar. Recordou-se que a primeira vez que envergou as calças o tinha feito num clima de experiência pois queria saber se conseguia ser convincente ao ponto de convencer os outros de que era um rapaz. Lembrou-se que na altura o sentimento que a dominava era o de fugir…fugir…se as coisas não corressem bem…fugir se não conseguisse convencer os outros de que era um homem…fugir…
Se calhar era esta a solução…mais uma vez…
Fugir…e adoptar uma outra identidade num qualquer outro local…
Mas se o quisesse fazer teria que dar uma justificação ao Capitão de Tréville pois ele conhecia a sua identidade, o seu segredo e aceitara ajudá-la dando-lhe todo o apoio que lhe fora possível. Por isso ela não podia ir-se embora assim sem mais nem menos…tinha que se despedir dele.
Seria algo a fazer logo no dia seguinte…por agora iria procurar dormir, ou pelo menos, descansar um pouco. Com este pensamento em mente a jovem deixou-se cair na cama…
*****
A noite passou-se num sono muito pouco reparador em que as imagens do presente se confundiam com as recordações do passado.
A escuridão da noite acabou por dar lugar á claridade de um novo dia…
Aramis despertou com o som dos passarinhos que com o seu chilrear procuravam saudar a manhã ensonada. A noite não tinha sido tranquila e o dia prometia mais complicações mas a jovem sabia que não era altura de protelar a decisão que tinha tomado horas antes…iria partir, sem dar explicações e sem se despedir de ninguém á excepção do Capitão de Tréville.
Com este pensamento em mente levantou-se. Pretendia seguir o exemplo do dia anterior em que conseguira sair de casa sem se cruzar com Nial. Se tivesse sorte conseguiria repetir a façanha.
Como ainda era bastante cedo Nial dormia profundamente, pelo que Aramis conseguiu sair de casa sem se cruzar com ele.
O ar fresco da manhã acariciava-lhe suavemente o rosto e de certa forma ajudava-a a organizar as ideias. Pretendia ir a casa do Capitão falar com ele sobre a sua saída dos Mosqueteiros…era isso que pretendia fazer.
Ao chegar á residência do Capitão a jovem parou pois era demasiado cedo e o mais provável era o Capitão ainda se estar a arranjar. Mas para sua surpresa as janelas já estavam abertas…parecia pois que Tréville também se tinha levantado com os primeiros raios de Sol.
Aramis estava indecisa entre ir ou não bater á porta do Capitão quando naquele momento Tréville apareceu á janela. Ao vê-la do lado de fora percebeu que alguma coisa se passava… se ela ia á sua residência particular era sinal que o assunto era grave. Fez-lhe sinal para que se aproximasse e a jovem assim fez.
*****
Entraram no gabinete de trabalho de Tréville. O ar do Capitão também não era dos melhores…estava carrancudo e sisudo, sinais de uma noite não muito bem passada. Fitou a jovem com ar interrogador.
- Aramis…penso poder presumir que alguma coisa se passa e que é a isso que se deve esta visita matinal. O teu comportamento nestes últimos dias leva-me a suspeitar que algo te atormenta. Que tens para me dizer?
Tréville referia-se a tudo o que tinha acontecido desde o início das provas de selecção para os Mosqueteiros. Um olho treinado como o dele era capaz de tudo observar e de perceber se alguma coisa não estava bem…ofícios de guerreiro que eram muito úteis numa Corte onde proliferava a intriga e a traição.
Aramis baixou os olhos sentindo-se repentinamente envergonhada com os comportamentos que tinha tido nos últimos dias no Quartel-General dos Mosqueteiros e que pelos vistos não tinham passado despercebidos.
- Senhor, tendes toda a razão para me repreender pois de facto a conduta que tenho tido ultimamente não é digna do lugar que ocupo mas deixai-me explicar as minhas razões. É esse também o motivo que me trás aqui…
Senhor, temo não poder continuar por mais tempo nos Mosqueteiros…
Tréville ficou estupefacto com aquelas palavras pois não esperava ouvi-las.
- Aramis…vais sair da Companhia? Mas porquê? O que aconteceu nestes últimos dias para tomares essa decisão?
A jovem fez uma pausa antes de continuar. O que tinha que dizer era difícil.
- Senhor, tenho ponderado sobre este assunto e temo não ter outra alternativa… a minha permanência nos Mosqueteiros não é mais possível pois há alguém que conhece a minha identidade.
O ar interrogador do Capitão foi substituído pela estupefacção e admiração que aquelas palavras provocaram no seu semblante. A surpresa e o espanto dominavam-no.
- Um dos novos recrutas é de Noisy-Le-Sec…e conhece-me…sabe quem sou na realidade…
Tréville estava cada mais admirado… Como é que era possível semelhante coisa?
Sentiu necessidade de se sentar…
- Aramis…Renée…tens a certeza disso? – Perguntava ele.
Ela não respondeu.
- Aramis…isso é certo? Há alguém nos Mosqueteiros…em Paris… que sabe que és uma mulher?
O silêncio e o ar cabisbaixo que dominavam a jovem foram resposta suficiente às interrogações do Capitão. Agora tudo fazia sentido…agora percebia porque é que no dia das provas ela tinha sido vencida por aquele último rapaz. Tréville tinha achado aquela situação estranha pois sabia que a jovem possuía grandes aptidões para o uso da espada e não era facilmente derrotada principalmente por alguém que não tinha uma técnica muito desenvolvida como era o caso de Nial. Fora esse o motivo que o levara no dia seguinte a ordenar uma espécie de repetição do teste da véspera na esperança de confirmar ou não se Nial era de facto um espadachim dotado ou se tudo aquilo não teria passado de sorte de principiante. Agora todas as dúvidas eram esclarecidas e Tréville compreendia tudo. Aramis tinha sido apanhada de surpresa por aquela situação…tal como ele…O que iria ela fazer?
Aramis sentia os olhos do Capitão cravados em si e sabia que mais cedo ou mais tarde teria que arranjar uma alternativa.
- Senhor, tenho pensado muito nesta situação e acho que nestas circunstâncias não posso continuar a exercer as minhas funções na Companhia…É muita pressão e não posso viver nesta incerteza…Por isso o melhor é partir…sair de Paris e ir para outro sítio…arranjar uma outra identidade…uma outra vida…
Tréville anuiu com a cabeça percebendo as ideias que a jovem tinha em mente.
- Renée…posso perguntar para onde tencionas ir?
Aramis encolheu os ombros pois ainda não sabia que rumo ia dar á sua vida.
Tréville tinha uma proposta a fazer mas hesitava em exprimir o que lhe ia na mente. Há muito que conhecia a jovem, tal como também fora amigo do pai dela, e sabia até que ponto os Herblays eram teimosos e obstinados quando queriam.
Mas esta era também uma questão a que Aramis precisava de responder…o que fazer depois de sair dos Mosqueteiros.
Tréville tinha uma proposta mas não sabia como a revelar. Precisava de organizar um pouco as suas ideias mas não o conseguiria fazer enquanto tivesse Aramis á sua frente. Por isso levantou-se e dirigiu-se para a janela. Contemplou a rua que a pouco e pouco se enchia de transeuntes que se deslocavam de um lado para o outro como as ondas de um rio.
- Aramis…gostava de saber quais são as tuas ideias para o futuro. Afinal quais são os teus planos?
- Senhor, não posso responder a isso porque eu própria não sei o que vou fazer – balbuciou a jovem num sussurro que mal se ouviu.
Tréville voltou-se para trás e fitou Aramis. Inspirou profundamente antes de prosseguir.
- Sabes Aramis, a decisão que tomas vem em boa altura porque os tempos que se aproximam vão ser difíceis.
Talvez eu tenha uma solução para o teu problema…Ouve-me com atenção e só depois te pronunciarás…
Há oito anos atrás, quando chegaste a Paris depois do que aconteceu em Noisy-Le-Sec fiz-te uma proposta que na altura rejeitaste mas que, espero, aceites desta vez. Nessa altura ofereci-te a possibilidade de ires para a minha terra e ficares com a minha família no Sul de França. Tenho um irmão que vive perto da zona dos Pirenéus…está casado e tem os seus próprios filhos… Sei que te aceitariam e tratariam muito bem, sem fazerem muitas perguntas.
Além disso, é uma região que está muito longe de Paris…de Noisy-Le-Sec… Lá, ninguém te reconheceria, ninguém saberia qual é a tua identidade, o teu passado…Poderias refazer a tua vida, assumir a tua verdadeira identidade…enfim…viver sem estes sobressaltos…
Podemos dizer que tiveste muita sorte durante todos estes anos pois conseguiste passar por homem sem que se descobrisse a verdade mas talvez este seja um sinal de que as coisas estão a mudar…
O que te parece esta ideia?
Sei que a viagem é longa mas não terias que ir sozinha…um dos teus companheiros prepara-se para ir até casa…
Neste momento, Tréville interrompeu o seu discurso apercebendo-se que dissera mais do que devia ao falar de assuntos que diziam respeito á vida privada de outros membros da Companhia. Mas era tarde demais para corrigir este erro pois Aramis seguia atentamente todas as palavras proferidas pelo Capitão e naquele momento já começava a imaginar quem poderia ser esse companheiro…
- Senhor, sois muito generoso mas não posso impor-me assim a ninguém…
Percebendo que Aramis não iria explorar a sua falha, pelo menos naquele momento, Tréville aproximou-se da jovem, disposto a convence-la a aceitar a sua proposta.
- Renée…não seria nenhuma imposição mas sim um grande prazer. Seria a oportunidade de retribuir tudo aquilo que devo ao teu pai e que nunca conseguirei pagar.
Diz-me…o que te pode ainda motivar a ficar em Paris, depois do que me contaste? Ainda tens necessidade de ficar perto de Noisy-Le-Sec? Não me parece…
Os senhores Herblay estão bem de saúde…ao contrário do que aconteceu há oito anos atrás quando o velho senhor esteve muito doente. Foi um dos argumentos que usaste para não te afastares muito de Noisy-Le-Sec…querias estar por perto caso acontecesse o pior…
Também querias saber se o assassino de François ficaria nesta zona…esse é um outro assunto que também já ficou resolvido, por aquilo que sei…então o que é que ainda te prende a Paris?
Ao ouvir aquelas palavras, Aramis não pôde deixar de fixar os olhos no Capitão pois era óbvio que havia coisas que a fariam ficar…
Tréville mordeu os lábios percebendo que teria que usar argumentos mais fortes para a convencer, mesmo que isso implicasse revelar informações que até ao momento ainda eram confidenciais.
- É claro que sei quais são os motivos que te fazem querer ficar em Paris mas é provável que as coisas mudem, até mais depressa do que queremos.
Tréville desviou o olhar e afastou-se. Dirigiu-se para a janela como se a simples contemplação daquilo que se passava no exterior lhe pudesse dar algum alento para os difíceis tempos que se aproximavam a grande velocidade. Nada disto passou despercebido á jovem…era evidente que alguma coisa se passava com o Capitão e ela pretendia descobrir o que era, pelo que se aproximou dele.
- Senhor…tenho que vos pedir desculpa pois até agora tenho estado aqui a importunar-vos com os meus problemas esquecendo-me que também tendes os vossos. Será que vos posso ajudar de alguma forma?
- Não Aramis, não há nada que possas fazer. Os tempos que se aproximam são difíceis e vamos ter que os enfrentar da melhor forma que pudermos e talvez, quem sabe, procurar outro modo de vida… – Tréville fez uma pausa antes de continuar - É muito provável que a Companhia dos Mosqueteiros acabe em breve…
Tal afirmação provocou uma reacção de completa estupefacção na jovem…Como é que era possível o Capitão dos Mosqueteiros dizer tal coisa, quase como se estivesse resignado á possibilidade da Companhia desaparecer num futuro muito próximo?
- É como digo – continuou Tréville num tom de lamento – o Mundo muda muito depressa e por vezes os sonhos acabam rapidamente…os Mosqueteiros, tal como os conhecemos, não serão em breve mais do que uma recordação do passado…
- Não, Capitão, isso não é possível – Aramis exprimia-se num tom de voz completamente exaltado – Não posso aceitar o que me estais a dizer…não com toda essa serenidade…
Ao ouvir a forma como a mosqueteira se exprimia Tréville acabou por perder a imperturbabilidade das suas últimas palavras e também ele explodiu.
- Então achas que estou sereno com a possibilidade da extinção da Companhia??? Pensas que isto não me afecta de modo algum? Que me resigno a aceitar esta ideia sem ficar com o coração despedaçado? Se é isso que achas é porque não conheces bem o teu Capitão…
Depois daquele acesso de fúria, Tréville acalmou-se um pouco e olhou para a jovem que baixara os olhos para os fixar no chão, envergonhada por ser a causadora de tal reacção no Capitão.
Percebendo que tinha exagerado um bocadinho Tréville procurou redimir-se do seu comportamento.
- Desculpa Aramis, não devia ter reagido assim de forma tão impulsiva mas as últimas notícias que chegam á Corte são preocupantes…além disso também não dormi muito bem esta noite, percebes?
Aramis assentiu com a cabeça sorrindo ligeiramente… Morfeu também não estivera ali naquela noite!
Naquele momento Tréville olhou para a jovem com um ar enigmático…será que ela podia ajudar de alguma forma? Desde que Aramis entrara nos Mosqueteiros Tréville percebera que a jovem tinha uma maneira diferente de ver as coisas, uma outra perspectiva que talvez fosse influenciada pela sua essência feminina e que na maior parte das vezes permitia ver soluções que escapavam ao pensamento masculino.
- É como digo Aramis, esta noite não foi nada proveitosa mas…talvez me possas ajudar. Este assunto que ocupou os meus pensamentos em breve será do conhecimento de todos…pessoalmente não sei se será possível evitar a tragédia que poderá atingir a França nos próximos tempos…
Aramis ouvia estas palavras cheia de angústia.
- Por favor, vamos sentar-nos para estarmos mais á vontade – Tréville indicou a secretária que se encontrava num canto do seu gabinete.
- É assim…como sabes as últimas décadas do século passado não foram nada generosas para o nosso Reino…É que para além de toda a instabilidade política que nos atingiu ainda tivemos que enfrentar o flagelo das guerras religiosas que provocaram verdadeiras carnificinas… Como sabes, a situação só acalmou quando Henrique IV, pai do nosso rei assinou em 1598 o Édito de Nantes. Olhando agora para trás, talvez esta não tenha sido a melhor solução mas na altura já estava tudo farto de guerras, de matanças e destruição. O país queria a paz, percebes? Queria sarar as feridas e concentrar-se na sua reconciliação… Henrique IV, ele próprio um protestante convertido ao Catolicismo por força das circunstâncias, estava farto de tantos conflitos e queria a paz, achando que o melhor seria ceder um pouco e permitir que os seus súbditos fossem livres de escolher a religião que queriam professar. O Catolicismo ficou como a religião oficial do Estado sendo os protestantes autorizados a exercer a fé á sua maneira. Para além disso ainda lhes foi permitido possuírem locais próprios onde poderiam viver livremente sem interferências de outros tipos de poderes. O grande problema é que neste momento isto já não é suficiente para eles…
Neste momento Tréville fez uma pausa no seu discurso para fitar a jovem que ouvia atentamente todas as palavras que ele proferia. Inspirando profundamente, o Capitão decidiu continuar:
- Para a maior parte dos protestantes é preciso ir mais longe… quer dizer, não lhes basta terem locais específico, fortificados, onde podem viver sem serem importunados…Eles querem ir mais longe…parece que até já estão a falar em independência…
Tréville parou como se sentisse toda a força que estas palavras pareciam acarretar. Aramis, que até então estivera calada a seguir atentamente todo aquele raciocínio decidiu quebrar o silêncio.
- Senhor…os protestantes já não querem fazer parte do Reino de França?
Tréville suspirou antes de continuar:
- É um pouco por aí…Ontem ao final do dia, fui chamado ao Louvre por Sua Majestade. Quando lá cheguei descobri que Sua Eminência também lá se encontrava… A situação parece ser muito grave pois segundo os espiões de Richelieu várias das praças fortes na posse dos protestantes estão a ser preparadas para a guerra…inclusivamente até há notícias de que os ingleses estão directamente envolvidos nesta situação pois estão a avançar com dinheiro e outros apoios no sentido de virem a auxiliar qualquer futura sublevação…
Aramis ouvia horrorizada o relato feito pelo Capitão.
- Senhor…eles pretendem sublevar-se? Então isso significa que…
- Significa que em breve poderemos voltar ao horror da guerra… - interrompeu Tréville – Se estes planos forem em frente isto poderá significar o regresso á barbárie generalizada…se não for pior do que isso…uma guerra contra os ingleses…
Definitivamente Aramis percebia perfeitamente o porquê da angústia do Capitão.
- Senhor…mas falaste também numa outra situação…o fim dos Mosqueteiros…Não percebo o que é que uma coisa tem a ver com a outra…
- Ah…isso…pois é…Richelieu tem muitos defeitos mas não se pode dizer que não saiba aproveitar as oportunidade quando elas aparecem…Sabes Aramis, se partirmos para a guerra os tempos que se seguem serão muito delicados porque será difícil prever a sua evolução. E então se os ingleses decidirem intervir com parte das suas forças militares a situação poderá tornar-se verdadeiramente catastrófica.
Um dos motivos que levou Henrique IV a ceder foi a longa duração que a guerra estava a ter com as suas consequências nas finanças públicas. E esse é precisamente o argumento que Richelieu pretende aproveitar para dissolver a Companhia dos Mosqueteiros promovendo a sua integração nos seus Guardas. Richelieu já está a falar de contenções financeiras e infelizmente o Rei não parece opor-se a tal situação. Enfim…se os planos de Richelieu forem em frente os Mosqueteiros poderão extinguir-se em breve…
Tréville calou-se deixando um profundo silêncio tomar conta da sala. Olhou para a jovem impávida e silenciosa que nada dizia. O Capitão pensou que era a altura indicada para continuar o seu discurso achando que já tinha exposto argumentos suficientes para levar Aramis a tomar a decisão definitiva de deixar os Mosqueteiros.
- Aramis – Tréville exprimia-se num tom profundo – se alguém quiser sair da Companhia esta é a melhor altura. O que te disse ainda é secreto pelo que podes abandonar o teu cargo sem qualquer tipo de comentários ou represálias…percebes o que quero dizer? Esta é a melhor altura para o fazeres…entendes?
Aramis continuava calada sem nada dizer pensando profundamente em tudo aquilo que acabava de ouvir. Será que o Destino já estava traçado e a guerra era inevitável? Será que ela podia partir depois de ouvir tudo aquilo? Naquele momento a sua mente reflectia sem conseguir tomar uma decisão. Pensando que a jovem hesitava em revelar a decisão de sair da Companhia, Tréville continuou.
- Se quiseres sair dos Mosqueteiros hoje, ninguém te censurará porque a situação ainda está calma mas daqui por uns tempos as coisas serão diferentes…
Aramis fixou o seu olhar no Capitão. A confusão que assolara os seus pensamentos num primeiro momento estava a dar lugar a um sentimento de cólera pois percebia que Tréville pretendia usar o argumento do conflito eminente para a pressionar a tomar a decisão.
- Senhor, compreendo os vossos argumentos mas se é esse o cenário actual não posso demitir-me…
- O quê? – gritou Tréville – Não ouviste tudo o que te disse? Vamos entrar em guerra…
- Mas ainda não chegámos lá…
- Pode ser questão de dias…
- Ou talvez não…
- Arre…que és teimosa… Mas porque é que as mulheres complicam tudo? Porque é que não conseguem ver o que é evidente?
As últimas palavras proferidas pelo Capitão desencadearam a fúria em Aramis que se levantou exaltada. Embora se sentisse ferver conseguiu controlar os seus sentimentos antes de responder.
- Senhor, não se trata de uma questão de teimosia mas sim de procurar analisar a situação com racionalidade. Dizeis que a guerra é iminente mas não há notícias de que os ingleses estejam em França…Dizeis que os protestantes se vão sublevar mas a verdade é que ainda não o fizeram oficialmente…Dizeis que a Companhia dos Mosqueteiros vai ser extinta mas o que é certo é que essa notícia ainda não chegou ás ruas…Tudo isto só significa que ainda há tempo e esperança para alterar as coisas mas para que isso aconteça é preciso que os súbditos fieis estejam disponíveis para dar o seu contributo, que estejam prontos para servir o Rei e o Reino.
- Mas a guerra…
- Ainda não começou e enquanto o primeiro tiro não for disparado teremos que fazer tudo para a evitar…
Tréville estava estupefacto com a força e determinação com que a jovem se exprimia.
- Se não estou em erro senhor, pediste a minha ajuda e a melhor forma de a dar é exprimindo a minha opinião. Não podemos aceitar a situação como se se tratasse de um facto consumado. Enquanto a guerra não for declarada, enquanto o primeiro tiro não for disparado temos de acreditar que ainda há tempo para impedir isso…
Tréville sorriu percebendo o que Aramis queria dizer. Para ele a situação já estava decidida mas para a jovem ainda havia esperança de alterar as coisas…e porque não? Talvez ela estivesse correcta e ainda houvesse tempo…
- Muito bem…estou a ver…parece-me que a tua decisão já está tomada e que vais continuar na Companhia…E talvez ainda haja tempo de alterar as coisas como acabaste de dizer…
Mas…e o tal rapaz que conhece o teu segredo? O que tencionas fazer?
Aramis suspirou.
- Não sei como vou lidar com essa situação mas o que é certo é que nestas circunstâncias não posso deixar os Mosqueteiros. Além disso se um dos meus companheiros pode partir em viagem em breve precisareis de toda a ajuda para enfrentar o que o futuro nos reservar…Enfim…terei que procurar uma maneira de conseguir lidar com o Nial.
Aramis olhou pela janela percebendo que o Sol brilhava com todo o seu esplendor.
- Senhor…parece-me que é tarde…Tomei o vosso tempo e não me apercebi de que já devia ter entrado ao serviço há muito tempo…
Tréville soltou uma sonora gargalhada.
- Por acaso não estás a pensar ir hoje para o Quartel-General dos Mosqueteiros, pois não?
- Bem…até estava a pensar nisso – Balbuciou Aramis um pouco confusa com aquele comportamento do Capitão.
- Nem penses nisso…pelo menos por hoje…Então não te lembras que estás de folga?
Aramis sorriu envergonhada pois tinha-se esquecido por completo de que o Capitão lhes tinha dado aquele dia de descanso.
- Podes ter decidido ficar nos Mosqueteiros mas não penses que hoje vais trabalhar…Nem pensar nisso. Quero que vás ter com os teus companheiros e que se divirtam o máximo que puderem pois pode não haver outra oportunidade nos tempos mais próximos.
Aramis percebeu a mensagem do Capitão. Iria sair dali e procurar os amigos para terem um dia inesquecível sem pensarem que em breve as coisas poderiam mudar.
- Aramis…um último pedido…Tudo o que te contei aqui ainda é confidencial…Peço-te que não comentes com ninguém esta situação pois como bem disseste talvez ainda haja tempo e oportunidade de alterar as coisas.
Aramis anuiu com a cabeça antes de se despedir do Capitão. Saiu para a rua pensando na reviravolta que a sua vida tinha tido nas últimas horas. De manhã tinha a firme ideia de deixar para trás a sua vida como mosqueteiro mas depois daquela conversa com o Capitão percebera que não o podia fazer sabendo que a situação estava á beira de se complicar. Tinha que ficar e dar o seu contributo.
Mas uma outra preocupação começou a preencher os seus pensamentos. Quem seria o tal companheiro que se preparava para fazer uma viagem? Seria o Athos que tão distante andava nos últimos tempos? Não…ela não podia ficar a pensar nisso pois outros assuntos mais importante exigiam a sua concentração…
Aramis sorriu pensando na rapidez da mudança mas naquele momento estava decidida a ir ter com os amigos para gozarem a melhor folga que lhes fosse possível.
Nial seria preocupação para outra altura…